No final de semana dos dias 25 e 26 de Outubro de 2015 uma equipe de 4 espeleólogos esteve na Caverna
Marreca após 6 anos de sua última topografia. O objetivo da viagem era finalmente escalar uma parede no salão final da caverna para desvendar um mistério que persistia há décadas nos
mapas anteriores.
Participaram desta atividade os espeleólogos Daniel Menin e Roberto Brandi (GBPE - Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas), Lucas Pagodin (Rejeito) e Beatriz Hadler (Blow) (GEGEO - Grupo de Espeleologia da Geologia - IGc Usp);
Acessada
por uma dolina vertical colapsada, a Caverna Marreca se estende por uma sucessão de amplos salões. A parte inicial da caverna tinha visitas recorrentes na década de 60, quando a região do Lajeado
era mais povoada. No lugar de cordas, as pessoas utilizavam escadas de madeira e troncos de árvores para descer o abismo da entrada e acessar a gruta.
Mas a parte visitada se se restringia às áreas mais horizontais. No final da caverna, uma descida acessada somente
com a ajuda de cordas leva a uma grande sala a um nível inferior e com um teto a 53m de altura. O salão é obstruído por uma parede de
escorrimento de calcita, mas que parece não fechar completamente possibilitando
uma passagem na parte mais alta da parede.
A
caverna foi mapeada pelo Espeleo Grupo de Londrina e também pelo CAP, ambos os mapas produzidos em 1966. Nestas duas topografias, os
mapas não se atreveram a escalada a parede, deixando um ponto de interrogação
na suposta continuação superior.
Em 2009, uma equipe do Grupo Bambuí, dando
continuidade aos trabalhos de prospecção e mapeamento de cavernas do Lajeado, esteve na caverna para retopografar detalhadamente a gruta. Também nesta ocasião a
escalada não foi realizada mantendo a interrogação na passagem superior.
Foi somente na ocasião descrita abaixo que a escalada em fim foi realizada. Utilizando técnicas mistas entre escalada natural e artificial, com
uso de equipamentos móveis e fixos uma equipe venceu e e topografou os 53m de desnível da parede. Abaixo o relato da atividades realizada.
Mapas históricos da década de 60 |
Mapa produzido em 2009, mas que ainda não havia solucionado a dúvida de continuação superior. |
Relato da escalada:
DIA 1: da base até o patamar "Rei Artur"
O
trabalho de escalada foi iniciado no Domingo, dia 25/10. Eu (Daniel) e Brandi subimos
abrindo uma via pela parte direita da parede. Os primeiros metros puderam ser
vencidos por uma rampa inclinada, utilizando como apoio rochas e formações na
parede. O primeiro ponto de fixação foi a um patamar a cerca de dez metros de
desnível e protegido por um grande bloco. Um parabolt foi fixado atrás do bloco
e a corda fixada pelo Brandi para a subida dos demais. A escalada até este
ponto não havia apresentado nenhuma grande dificuldade e não fosse por medida
de segurança, nem cordas seriam extremamente necessárias. Pudemos inclusive observar o rastro de alguém que havia realizado esta mesma subida antes de nós.
Não eram marcas muito fortes, mas sugeriria que uma pessoa havia
tentado sozinha esta mesma escalada.
Continuando
a subida a partir deste patamar o piso argiloso foi ficando mais inclinado e
escorregadio. Utilizando pequenos apoios, em um processo de lento rastejamento, o Brandi chegou até uma saliência no teto onde foi possível fixar 2 parabolts.
Com esta segurança, foi possível investir mais ao meio da rampa, contornando a parede pela esquerda até uma parte com menos argila e mais calcita exposta, bom para a fixação das ancoragens. Um caminho menos escorregadio, porém mais exposto ao abismo que se abria parede abaixo.
Os rastros desapareciam neste ponto, o que sugeria que o
escalador anterior havia chegado somente a poucos metros acima do primeiro
patamar. De fato, eu me lembro de ter tentado realizar esta subida em 2009 até
um ponto onde era necessário o uso de cordas, abando a continuidade e
desistindo de subir por conta da segurança. Entretanto, não posso afirmar que
os rastros eram meus...
O uso da furadeira e parabolts possibilitou um trabalho de escalada muito mais rápido e seguro do que a técnica anterior de martelo e batedor para inserção de spits na rocha. Entretanto, a escalada não
foi assim tão fácil. Os parabolts eram fixados no piso ou parede, muitas vezes
formados apenas por uma casca de calcita com poucos centímetros de diâmetro,
depositada sobre camadas de argila e outros sedimentos. Os
parabolts, muitas vezes não expandiam completamente e tínhamos que confiar na
segurança pela tração transversal ao furo!
E nessas condições a escalada prosseguiu até o segundo patamar, a cerca de
12m acima. Consistia em um plano inclinado, mas amplo, onde seria possível
comportar todos integrantes da equipe.
Me
juntei ao Brandi para dar segurança a mais uma investida, agora por uma parede totalmente
vertical. A "cascata" de calcita oferecia alguns pequenos apoios, mas
seria impossível de subir sem o uso de técnicas artificiais (furadeira,
escadinha e alguns equipamentos de escalada móvel). Agora, por ser vertical, as
costuras eram plantadas muito mais próximas, pouco mais de um metro de
distância uma das outras. Quando o Brandi estava em cerca da metade da parede,
tivemos que trocar a primeira bateria da furadeira, que já apresentava
dificuldades por estar com baixa carga.
De
baixo não era possível ver até onde a parede se mantinha vertical. A impressão era que
alguns metros a mais e já chegaríamos a uma inclinação menor, onde seria
possível avançar com mais velocidade e segurança. Engano. A cada costura o Brandi iluminava acima para se certificar que seriam necessários mais 1 ou 2 ancoragens, e assim por diante. Quando estava a poucos metros do final da subida a segunda bateria
da furadeira acabou. O Brandi também já se apresentava cansado e o horário
avançado. Por falta de bateria, uma broca que representaria talvez um último
ponto de segurança para se acessar a parte mais horizontal teve que ser
abandonada. Era impossível retirá-la sem a energia suficiente na furadeira para rotacionar a broca no sentido contrário.
Antes de descermos eu resolvi tentar subir até a broca e de lá
arriscar um rastejamento patamar acima. O Brandi desceu até mim para fazer a
segurança e eu segui parede acima, usando a corda fixada na ancoragem do topo da
escalada. Chegando no ponto mais alto percebi que era possível acessar
a broca com as mãos. Testei o apoio, me certifiquei que suportaria meu peso e utilizando a broca e alguns outros pequenos pontos fui subindo parede acima. Não era
uma escalada difícil, mas a aquela altura, uma queda não seria nada agradável. Movimentos delicados eram realizados evitando olhar as luzes de meus companheiros, que iluminavam o amplo salão a algumas dezenas de metros abaixo.
Mais um pouco e eu já estava de pé, em um patamar bem
horizontal. A direita, uma fenda parecia contornar o escorrimento e continuar
horizontalmente. A esquerda uma parede totalmente vertical sugeria continuidade
da escalada por mais cerca de 15 ou 20m até o teto da caverna. Lá sim parecia
efetivamente estar alguma continuação. Entrei na fenda e acessei um pequeno salão
com algumas colunas e um forte cheio de guano fóssil. Dentro do salão consegui
fazer 2 pontos naturais de fixação da corda, que possibilitaram com que toda a
equipe pudesse subir e se reunir neste patamar. A corda usada na escalada tinha 60m de
comprimento e foi o suficiente para chegarmos até este ponto, sendo ainda
necessário recolher parte dela da primeira rampa no início da subida.
Já
eram mais de 19hs da noite e estava claro
que não concluiríamos a escalada naquele mesmo dia. Além de cansados, não havia
mais corda suficiente. No entanto, não
poderíamos abandonar a escalada em um ponto tão próximo do fim. Decidimos então deixar a caverna
toda equipada e retornar no dia seguinte,
descansados e com as baterias da furadeira devidamente carregadas. Nomeamos aquele local de patamar "Rei Artur",
devido à broca fixada no chão e sem possibilidades de retirada.
Para sair da caverna a partir daquele ponto, levamos 2hs. Chegamos na pousada as 22hs.
DIA 2: do Patamar "Rei Artur" até o teto da
caverna
O dia
seguinte amanheceu com uma garoa leve. Embora não tenhamos conseguido levantar
tão cedo quanto gostaríamos, chegamos na caverna por volta
das 10hs da manhã.
A descida e a progressão até o ponto de escalada foi rápido.
Um pequeno incidente foi minha máquina fotográfica ter se soltado do cinto e
caído em uma poça d'água. Completamente molhada, não a levei comigo escalada
acima e ficamos se fotografias. Uma pena.
Uma
vez na escalada, resolvemos que eu e o Brandi alternaríamos a função. Enquanto
eu abriria a via parece acima, o Brandi faria minha segurança. O Lucas e a Bia
ficaram incumbidos de subirem a via escalada no dia anterior topografando todo
caminho.
Já
nos primeiros metros da escalada uma dificuldade: A parede sugeriria uma subida
por uma via mais a esquerda, totalmente vertical e mais exposta abismo abaixo. Mesmo antes de iniciar a escalada, tive que
contornar o escorrimento usando pequenos apoios para não escorregar. Fixei uma
ancoragem móvel para poder dar os primeiro impulsos parede acima. Um piton foi
martelado em uma reentrância da calcita. Umas marteladas o fizeram entrar e parecer
seguro. Nele fixei um mosquetão e uma fita. Apoiei meu pé na fita e
me projetei parede acima. Abaixo cerca de 30m de desnível em um negro
vazio. Apoiado pela fita peguei a furadeira e fixei o primeiro parabolt. Sem
perder muito tempo, mas me enrolando com o frenesi de equipamentos pindurados
na cintura consegui colocar a chapeleta, o mosquetão e passar a corda fazendo
minha segurança. Ufa! E assim fui progredindo parede acima. Fixando um parabolt a cada 1,5m de desnível para então ter apoio e subir mais um pouco.
No terceiro ponto de fixação o Brandi me pede um tempo para
tentar retirar o piton fixado para a primeira segurança. Para nossa
surpresa bastou ele fazer um movimento leve e o piton saiu
facilmente em suas mãos! Brincamos que da li em diante a segurança deveria ser
redobrada, pois o anjo da guarda já estava fazendo hora extra!
A
parede continuou vertical por mais cerca de 10 metros. Quanto mais eu subia,
mais entendia que a capa de calcita não estava tão espessa e os parabolts
atravessavam a parte sólida impossibilitando uma segurança plena. Na verdade,
serviam mais como ponto de apoio para a escalada do que para fixação confiável para a
corda. A determinado momento a parede foi ficando menos inclinada,
mas ainda não era possível ver uma continuação superior. Quando estava próximo
ao final, cheguei até um pequeno patamar horizontal, na extremidade direita da
subida, onde acessei a parede de calcário maciço da caverna. Quando fui fazer
uma boa fixação, a bateria da furadeira acabou novamente. Retornei até a última ancoragem, fiz minha segurança e tivemos que fazer
todo um exercício de troca de baterias, pois parte do equipamento estava metros abaixo, com o
Brandi no patamar do "Rei Artur". A este momento, o Lucas e a Bia já haviam terminado a
topografia e faziam companhia ao Brandi,
Trocada
a bateria eu consegui plantar mais 2 parabolts de segurança e então me rastejar
para uma área menos inclinada. Em poucos minutos depois e cheguei no final da escalada: Um pequena sala, completamente fechada, conectava a parede de calcita com o
teto da caverna. Uma colônia de morcegos me observavam do teto. Dei a notícia de que a escalada havia sido concluída e que a caverna não continuava. Cansado, me sentei alguns minutos para contemplar a paisagem lá de cima. Eu estava no teto da Marreca. De lá, não conseguia ver o solo do salão, mas podia iluminar o outro lado e toda a descida
de acesso por onde havíamos chegado. Era uma visão incrível. O grande volume da
gruta e a altura daquela escalada me davam uma sensação de aventura extrema. Mesmo que não tivéssemos descoberto uma continuação, havíamos realizado um feito
admirável. Uma escalada incrível em uma sala belíssima. Além de resolvido uma duvida que
persistia desde a década de
60. Agora era hora de descer e seguir
caminho para casa. Realizamos técnicas de recuperação de corda, descendo em corda dupla e tendo que abandonar algumas
fitas e mosquetões nos patamares da gruta.
Iniciamos
a saída da caverna as 16h00. Paramos alguns minutos para lavar equipamentos em uma pequena barragem ao lado da estrada e próximo ao carro e as 18h30 já estávamos na pousada. Iniciamos o retorno
a SP as 19h30.
Para
o segundo dia de escalada, conseguimos com o Jurandir mais 40m de corda, o que
foi essencial para nos dar cordas suficientes para toda subida. No total,
utilizamos, 2 rolos de 40m (um para entrada na caverna, outro ara a descida ao
salão final). Para a escalada usamos mais 2 rolos sendo um de 60m (corda nova,
do Brandi) e um de 40m (emprestada pelo Jura). Foram plantados mais de 30
parabolts, o que consumiram pouco menos de 4 baterias da furadeira.
O
desnível escalado foi de 56m e o mapa da Caverna Marreca pode ser considerado concluído. Restam, entretanto, apenas algumas pequenas passagens próximo ao abismo de entrada para serem - um dia - verificados.
No início: todos limpinhos e contentes. |
Abismo de entrada (-18m) |
Inscrições deixadas por visitantes locais na década de 60 |
Descida para grande salão, no final da gruta (-29m) |
Descida para grande salão visto da metade da escalada |
Ancoragens no teto, pouco acima do primeiro patamar |
Preparação de escalada artificial - escadinha de apoio. |
Técnica de escalada artificial, com auxílio de furadeira e parabolts. |
Escalada de parede vertical vencida no primeiro dia de escalada |
Iluminando possível continuação, após escalada de uma segunda parede uma dezena de metros acima (parede que seria escalada no dia seguinte) |
Retornando ao grande salão a partir do primeiro patamar |
Sistema de segurança de escalada e fixação de corda para subida do restante da equipe |
Final dos trabalhos: todos sujos, cansados e felizes |
Agradecimento especial ao Jurandir (Jura) do Parque Aventuras