terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Relato do acidente em Vazante

Acidente na Lapa da Deuza

Por Ezio Luiz Rubbioli

Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas

Retorno do Ezio às cavernas, 5 meses após o acidente. 

Se não fosse a pequena cachoeira que, literalmente, obrigava todos a olharem para cima em busca da sequência daquele rio... Se a “pequena cachoeira” não ficasse exatamente no final da última galeria, condicionando todos a imaginar que aquele nível superior pudesse ser a continuação da gruta... Provavelmente ninguém daria importância ao patamar que seria classificado na topografia como uma reentrância no teto. Mas esta conjunção de fatores alimentou inúmeras especulações e fez com que a cachoeira final da Lapa da Deuza fosse um local cobiçado pelos amantes da exploração.

A Lapa da Deuza (pronuncia Déuza) é uma das poucas cavidades brasileiras que não precisa de uma coordenada para ser encontrada. É mais fácil procurar pelo endereço. Situada dentro da área urbana de Vazante (Minas Gerais) a gruta está localizada a poucos metros de uma rua asfaltada aonde os muros de divisa das casas chegam a camuflar a sua entrada. A proximidade com a cidade deixou a Lapa da Deuza vulnerável as visitas, principalmente não espeleológicas, que acabaram deixando marcas de passagem, resíduos, além de algumas pichações. A primeira topografia foi feita em 1967 pela SEE - Sociedade Excursionista e Espeleológica de Ouro Preto. No mapa que indicava uma extensão de 1.032 metros, a tal cascata já aparecia indicada, sendo que no perfil uma grande abertura no teto com um ponto de interrogação dava dica de onde a gruta poderia prosseguir.

A Lapa da Deuza e demais cavernas de Vazante foram alvo de uma das primeiras saídas a campo do Bambuí, na semana santa de 1983. Logo depois, quando entrei no Bambuí, e ainda tentava fazer lanternas de carbureto em casa, alguém já havia comentado sobre a possibilidade de escalar a tal cascata. Poderíamos usar um mastro para içar uma corda ou uma escada desmontável. Lógico (e felizmente) nenhuma dessas ideias vingou e a cachoeira continuou sendo um desafio a ser conquistado.

No final de 2002, a Lília Horta, o Arnaldo Carvalho e eu fazíamos a topografia de algumas cavidades na região para um estudo ambiental. Ficávamos o dia inteiro no campo, mas à noite, depois do jantar, uma escapulida para explorar a cachoeira da Lapa da Deuza não era uma ideia totalmente fora de propósito. Estávamos hospedados a menos de 50 metros da entrada e o acesso ao final da gruta não gasta mais de 30 minutos. As galerias são planas, secas e a única dificuldade é um desnível junto à entrada que pode ser vencido mesmo sem o uso de uma corda. No final do conduto principal, a pequena cachoeira despenca de uma altura de uns 15 metros. Na verdade, a tal “cachoeira” não passa de um filete de água que desce do teto e infiltra, em meio ao cascalho fino que forma o piso da gruta, praticamente no mesmo local da queda.

Nesta época já tínhamos um conhecimento razoável das técnicas verticais e de escalada artificial. O nosso plano seria abrir uma via na parede lateral esquerda da queda, bem longe da água, instalando spits e utilizando ancoragens naturais. Também tínhamos à disposição duas pequenas escadas de corda que serviam para elevar o apoio até patamares mais altos. Mesmo assim não foi fácil. A rocha era muito dura e cheia de saliências cortantes. Além disso, não dispúnhamos de furadeira e os spits eram cravados manualmente.

Depois de algumas horas de trabalho e diversos hematomas nos dedos, emergi finalmente no patamar acima da cachoeira. Neste momento não tinha mais dúvidas de que a drenagem vinha de uma fissura impenetrável no teto. Contudo, uma pequena continuação à esquerda ainda dava alguma esperança de descobrir alguma coisa que justificasse todo o sacrifício. Mas a galeria estava totalmente entupida por um abatimento poucos metros adiante. Era hora de dar meia volta. Não me recordo o motivo (talvez porque já fossem 2 horas da manhã) de não termos feito a topografia, e este poderia ser mais um “se” aos fatos já listados no começo deste relato.

E assim ficou a Lapa da Deuza esquecida por mais de uma década, até que em 2009 o Instituto
do Carste realizou uma nova topografia, mais detalhada e enfatizando aspectos da
geomorfologia da gruta. Mas da mesma forma que a topo da SEE, a continuação acima da
cachoeira foi marcada com uma interrogação.

Em setembro de 2015, aproveitando uma viagem de mapeamento de 18 cavidades na região
de Paracatu, Unaí e Vazante para um levantamento espeleológico realizado pela empresa
Carste, foi sugerido que completássemos o mapa da Lapa da Deuza. Embora a galeria superior
significasse acrescentar pouco mais que 30 metros, esta era uma dívida de quase meio século
e que deveria ser reparada.

Dia 8 de setembro de 2015, o Fox (Tiago Vilaça) e eu acordamos cedo e antes das 7 da manhã já estávamos tomando café e prontos para “esticar a trena” (na verdade estávamos mapeando usando o Disto X) no último objetivo da viagem. Nos planos originais, a topografia da Lapa da Deuza já deveria ter sido feita no dia anterior, uma vez que pretendíamos chegar em BH ainda no dia 8. Mas por falta de tempo, optamos em acordar mais cedo e usar a parte da manhã para o mapeamento da gruta – situada a poucos metros do nosso hotel – e viajar à tarde. Naquele momento, mesmo de forma involuntária, acabamos optando por uma estratégia que teve consequências extremamente positivas no caso do acidente. Imagina ter que procurar ajuda no meio da noite no feriado do dia 7 de setembro!!!

O acesso da única entrada até o local da escalada é fácil e rápido. Marquei no relógio nosso tempo de pouco mais de 15 minutos para percorrer os 700 metros. Antes das 8 horas já começava a escalada utilizando uma parte dos antigos spits que ainda estavam preservados e completando a via com parabolts 8 mm fixados com auxílio de uma furadeira. O Fox ficou em baixo segurando a outra ponta da corda que, uma vez tracionada, ajudava a alcançar pontos mais altos para novas fixações. Gastei cerca de 40 minutos para subir o lance vertical de 14 metros até avistar a ponta de uma pequena corda de 10 mm que havíamos deixado instalada na parte final. Ainda suspenso na parede vertical, apoiei todo o meu peso nesta corda para finalizar a escalada. Em um primeiro momento fiquei um pouco inseguro, uma vez que não era possível ver a sua ancoragem. Mas nem passou pela minha cabeça que o maior risco estava na corda... De qualquer forma, como estava fixo também na corda que utilizava na escalada, fui em frente. Nem lembrava mais deste detalhe, mas depois percebi que ela foi deixada na escalada pioneira, estava fixa com spit e atendia a três necessidades:

(1) ancoragem da corda principal na hora da descida - utilizando uma corda dupla, era possível voltar sem ter que abandonar uma metragem significativa de corda.

(2) Evitar o atrito da corda na borda do lance vertical.

(3) Ajudar a finalizar a subida na parte superior do abismo - que era formada por uma rampa com inclinação suave e com o piso coberto por um barro escorregadio - até um local seguro para sair e entrar na corda.

Completei a subida e esperei o Fox para iniciar a topografia. O mapeamento não gastou mais de 20 minutos do nosso tempo e já organizava os equipamentos enquanto o Fox se preparava para descer. Até este momento a corda que havíamos utilizado para a escalada estava presa no último parabolt - que havia instalado bem próximo da borda do abismo - e na corda antiga. Esta, por sua vez, estava fixada mais acima, em um spit com chapeleta instalados na primeira escalada.

Enquanto o Fox descia pedi pela corda antiga, pedi para ele verificar como estava a corda que parecia ter um desgaste no seu trecho inicial. Não era nada, só uma pelota de barro. O Fox passou para a outra corda, desceu e eu me posicionei bem próximo da borda do abismo, utilizando a corda antiga como corrimão. Fiz a última leitura amarrando a nossa topografia ao que parecia ser uma base antiga, situada 20 metros abaixo. Guardei o equipamento de topografia em uma pequena sacola que carregava presa na cintura e comecei a preparar a minha descida. Recolhi a corda principal e pensei em passá-la pela última ancoragem que havia acabado de instalar. Esta era formada por um parabolt com uma chapeleta e um mosquetão, onde estavam fixadas a corda antiga, que vinha de cima, e a nossa corda que agora pendia no abismo com as duas pontas na parte de baixo. Pedi ao Fox para segurar uma das pontas que eu iria descer usando o outro lado. Até então estava sentado na rampa inclinada que antecede o lance vertical usando a corda antiga como segurança. Neste momento tomei a decisão mais errada da minha vida: como a ancoragem havia ficado mais baixa que a posição que me encontrava, recuperei a chapeleta e o mosquetão da ancoragem recente e passei a corda da descida diretamente por dentro da alça de um nó na ponta da corda antiga. Estaria repetindo na descida o sistema que havia usado na escalada pioneira. Só que agora depositaria toda a minha segurança em uma corda com mais de 10 anos. Instalei o meu descender simple na corda e girei o corpo para fora do abismo, apoiando os pés na parede e deixando o peso do corpo suspenso no vazio. A corda ainda não estava bem tracionada e pedi ao Fox para ajustar a tensão. Neste momento senti um puxão forte vindo de baixo que me fez movimentar um pouco. E o chão sumiu...

O instante que passou entre o momento que a corda rompeu e atingi o solo (exatamente 1,7 segundos e com uma velocidade de 60 km/h), eu não percebi nada. Apesar de não ter perdido a consciência, só me dei conta que havia caído quando vi o Fox chegando aflito ao meu lado. “Calma Fox, tô bem” foi a minha primeira reação. Mas quando levei a mão direita na iluminação do capacete (que felizmente ficou intacto na minha cabeça) percebi que havia algo errado com o meu pulso: o osso do antebraço forçava a pele na parte interna da mão, criando uma grande saliência e atestando que algo estava fora do lugar. Aumentei a potencia da Scurion e tentei levantar quando vi que os ossos da minha perna esquerda estavam saindo pela canela, logo acima da bota e perfurando a minha meia. “Putz!!! Estou com problemas”, pensei.

Imediatamente o Fox começou a me desvencilhar da cadeirinha e tudo mais que estava preso no meu corpo. “Vou buscar ajuda”, disse ele colocando uma garrafa de água do meu lado. - Procura o pessoal da Votorantim. Eles têm uma brigada de resgate e vão ser mais rápidos. Qualquer pessoa da cidade sabe o contato. E liga para o Augusto Auler. Estas foram as últimas orientações que passei para o Fox antes de ver a luz dele se perder na galeria em direção à saída.

Eram 9:45 hs e até este momento ainda não tinha sentido praticamente nenhuma dor. Tentando encontrar alguma ocupação para desviar os meus pensamentos do grande problema que tinha pela frente, recolhi e organizei as cordas e constatei que a antiga havia se partido e não se soltado. Com certeza a ponta com o nó e a ancoragem artificial (spit) ainda estavam lá em cima. Menos de uma hora depois o Fox já estava de volta com boas notícias: a equipe de resgate da Votorantim já estava vindo com a maca. Ele entrou na frente marcando o caminho com fitas e voltaria para a entrada para ajudar o pessoal. Uma conversa curta e estava sozinho novamente.

A 400 km de distância, no escritório da Carste em Belo Horizonte, estava sendo montada uma central de contatos. Dezenas de telefonemas, tanto para Vazante, como para hospitais, espeleólogos, para a equipe que estava no curso de resgate etc, foram feitos nas horas seguintes. Imediatamente uma equipe foi mobilizada (Augusto, Lilia e Fernando - técnico de segurança) e partiu para Vazante por volta do meio dia.

Fiz uma avaliação geral no meu estado. Sentia as pernas e tinha movimento nos dois pés. Aparentemente também não tinha nenhum problema na cabeça, no tronco e conseguia movimentar sem dificuldades a minha parte superior. Mas, depois de mais de uma hora parado, uma dor intensa na parte posterior da bacia não deixava dúvidas de que tinha outras fraturas além das bem evidentes na perna e punho. Não sentia frio, mas a dor era dilacerante e não encontrava uma posição mais confortável. Estava no mesmo local em que havia caído e comecei a observar e tentar entender o tombo. O lance vertical (confirmado mais tarde pela topografia) tinha 15 metros e terminava em um piso compacto, argiloso e plano. Com certeza ali tinha sido o meu primeiro impacto. Depois o terreno descia mais uns 3 metros em um talude pouco inclinado até atingir o nível final do desnível. Também tinha rolado este trecho e me encontrava de barriga para cima em uma depressão rasa no terreno com a cabeça ligeiramente mais alta que os pés.

Finalmente luzes e vozes desviaram a minha ansiedade de sair da caverna. No primeiro momento não reconheci ninguém, mas senti um tratamento muito amigável e cordial da equipe que se aproximou para avaliar melhor a minha situação. Era a equipe de brigada da Votorantim. Conversaram comigo de uma forma bem pessoal, como se nos conhecêssemos há anos. Acho que eu também estava tranquilo, mas o jeito que eles chegaram e começaram a organizar as coisas facilitou muito o resgate. Das mochilas surgiram algumas talas e faixas que foram instaladas na minha perna esquerda e no braço direito. Eles até sugeriram tirar a minha bota, mas estava tão impressionado com o estado do meu pé que insisti para mexerem o menos possível. Realmente naquela altura a minha preocupação maior era o pé. A fratura na altura da tíbia havia deixado a parte de baixo completamente solta e retorcida para o lado em um ângulo fora do normal. A ausência de dor deixava as coisas ainda mais preocupantes e já imaginava onde eles iriam amputar a minha perna. Este pensamento me manteve tão preocupado que só consegui relaxar depois de conversar com o cirurgião (12 horas mais tarde e já no bloco cirúrgico) e ter a palavra dele que nada seria cortado. Caso alguma decisão mais radical (como uma amputação, por exemplo) tivesse que ser tomada, eu tinha que estar consciente para interferir e pedir uma segunda opinião.

A maca chegou. Era uma Sked e imediatamente pensei: “Como estes caras vão colocar o meu pé neste troço?” Para quem já viu e testou uma maca Sked sabe que o maior problema é a posição que os pés ficam fixos na maca. Formada por uma placa flexível de plástico, a maca só se transforma em algo rígido para transportar a vítima depois de dobrada. As laterais se inclinam sobre o corpo formando um cilindro enquanto a parte superior e inferior se dobram em um ângulo perpendicular. Os pés ficam exatamente neste espaço que sobra entre as laterais e o fundo da maca. Uma posição nada confortável mesmo para uma vítima fictícia. Imagina o meu caso, com uma fratura exposta? Tentei sugerir para eles cortarem um pedaço da maca, mas já era tarde... O meu pé foi encaixado naquela posição horrorosa com tala e tudo. E continuei não sentindo nada.

“Um, dois, três” e eu estava flutuando, suspenso no ar por meia dúzia de mãos que sustentavam a maca. Calculo que deveria ser por volta de 11:30 horas. Só via o teto da caverna e os rostos se contorcendo em feições de esforço e as roupas se encharcando de suor. O Fox trabalhava intensa e incessantemente orientando a equipe sobre o caminho a ser seguido, onde a maca deveria passar ou parar. Percebia que o deslocamento estava em um ritmo rápido e constante. Em certo momento o Fox chegou até mim e disse: “Tem um helicóptero lá fora te esperando”. Que notícia boa. Logo pensei que deveria ser o Capitão Anderson (hoje Major Anderson) e a aeronave dos bombeiros de Belo Horizonte. Já tinha falado com o Fox sobre a minha preocupação de onde ser atendido. Vazante era uma cidade muito pequena e provavelmente não encontraríamos muitos recursos. Além do mais, minha família e médicos conhecidos estavam em Belo Horizonte. E a possibilidade de chegar em BH em poucas horas me deixou extremamente aliviado. Esta notícia, animadora a princípio, quase se transformou em um grande desastre horas mais tarde.

Às duas da tarde comecei a ver as luzes da entrada. Mas antes disso, um último esforço da equipe para vencer o trecho mais complicado: um longo aclive que chega a ter inclinações de mais de 60o. O teto sobe acompanhando o piso, sendo que algumas passagens têm menos de um metro de altura. Eram aproximadamente 14:30 hs quando me colocaram em uma ambulância que estava parada na entrada da caverna. “Cadê o helicóptero”, pensei. “Deve estar a caminho.”

No instante em que a corda rompeu na Lapa da Deuza em Vazante, um curso de espeleoresgate estava em pleno andamento na cidade de Mambaí, em Goiás a 550 km de distância. Ao saberem do acidente, imediatamente uma equipe se mobilizou para atuar. Jean François Perret (Jef), Leandro Maciel (Chester) e outros colegas já estavam a caminho de Vazante, mas retornaram quando soberam que eu já estava fora da caverna. É uma tranquilidade saber que podemos contar com uma equipe especializada e competente em situações difíceis. Como dizia o Jef: “Estou treinando vocês não para resgatar um turista, mas um espeleólogo que se envolveu em uma situação de risco”.

Fui conduzido ao hospital de Vazante onde fizeram vários exames e me deram alguns medicamentos para aliviar a dor. Que eu precisava de um atendimento mais adequado e urgente era uma certeza. A dúvida era para onde. Enquanto os dois médicos que me atendiam tentavam organizar o meu deslocamento para Patos de Minas (um centro maior localizado a cerca de 100 km) eu só pensava no helicóptero que deveria estar chegando. O meu celular apareceu não sei de onde e tentava ligar para o Fox para saber qual informação ele tinha. Sem sinal. Depois de várias tentativas, finalmente consegui falar com o Flávio Chaimowicz (um grande amigo, companheiro de várias explorações e, para minha sorte, formado em Medicina). Embora estivesse em Belo Horizonte, ele já tinha tomado ciência do meu acidente e tentava organizar a questão do atendimento. A grande preocupação naquele momento era a possibilidade de infecção óssea: uma osteomielite que poderia se arrastar por anos. A roupa suja aliada a fratura exposta era um prato cheio. Nestes casos a limpeza e os procedimentos de desinfecção devem ser tomados no menor prazo possível - não devendo ultrapassar 8 horas. Ele também tinha conversado pessoalmente com o Capitão Anderson e sabia que um possível resgate via helicóptero não poderia mais acontecer naquele dia. Já eram mais de 4 horas da tarde quando me conformei em seguir para Patos de Minas e adiar a minha chegada em BH. Mais tarde fiquei sabendo que a notícia do helicóptero tinha sido uma jogada para animar a vítima.

Resumindo: fui transferido para Patos de Minas por uma ambulância e operado no mesmo dia da perna e do punho às 22 horas. O Dr. Leandro cumpriu sua promessa e não amputou nada. Fiquei mais 3 dias no excelente CTI do Hospital Imaculada Conceição em Patos antes de ser transferido por uma ambulância aérea para o Hospital Semper em Belo Horizonte. Foi feita mais uma cirurgia na bacia, uma na perna e uma última na coluna vertebral, mais precisamente em L1. Fiquei cerca de 3 semanas internado no Semper e mais um mês em recuperação em casa com movimentos limitados. Depois disso fisioterapia e exercícios na academia 5 vezes por semana.

Hoje, com quatro meses do acidente, já tenho uma vida quase normal. Tenho mobilidade total e consigo fazer minhas atividades diárias sem necessidade de ajuda: dirigir, trabalhar, consultas e exames dos 4 ortopedistas que estão acompanhando o meu caso, fazer compras e mais consultas e exames. Ainda tenho dificuldades para correr, mas consigo pedalar longas distâncias e os médicos afirmam que mais alguns meses e a recuperação será total e vou poder fazer tudo que fazia antes (embora tenha certeza de que nenhum deles sequer imagina o que significa “fazer tudo que fazia antes”). Ainda vou ter que fazer uma pequena cirurgia na perna para retirar um dos parafusos que está impedindo a consolidação dos ossos. Também fiquei com a perna direita 2 cm menor por causa da fratura da bacia que não consolidou perfeitamente nivelada. Nada que uma palmilha com 1 cm de espessura e colocada na parte interna do calçado não consiga resolver.

Num retrospecto sobre o acidente tenho plena convicção do meu erro em confiar em uma corda tão velha. Acredito que o puxão do Fox deve ter deslocado a corda criando um forte atrito. Isso tudo agravado pela tensão aplicada em um trecho pequeno de corda (alto fator de queda), uma vez que estava bem próximo da ancoragem. Lógico que tudo isso poderia ser evitado se a corda fosse confiável e nenhuma explicação justifica o fato do meu erro inicial.

Todo dia penso no que poderia ter feito para evitar o acidente e o sofrimento e limitações que tenho passado nos últimos meses. Se eu tivesse usado outra ancoragem... Se eu tivesse trocado a corda... Se eu tivesse feito a topografia na primeira exploração... São muitos “se” que poderiam ter evitado o acidente, mas só percebemos que a escolha foi errada quando realmente sentimos as consequências. As opções eram fáceis e estavam todas ao meu alcance. Tempo, equipamento e conhecimento estavam todos ali e, infelizmente fiz a opção errada. Hoje, já quase totalmente recuperado e pronto para voltar às cavernas em 2016, não tenho palavras para agradecer a todos envolvidos neste episódio. Se os primeiros cuidados da equipe de resgate foram fundamentais para o sucesso da minha recuperação física, tenho certeza que a energia e o pensamento positivo de vários amigos contribuíram ainda mais para suportar todo este tempo de sofrimento e dor. Tinha que voltar bem e inteiro para agradecer a tanta gente. E...se Deus é brasileiro, ele é uma “DEUZA”.

Principais traumas:
- Fratura exposta dos ossos da perna esquerda (tíbia e fíbula)
- Disjunção da sínfise púbica
- Fratura do platô superior do corpo vertebral L1 com profusão de fragmento ósseo para o
interior do canal medular.
- Fratura da asa sacral direita e do processo transverso L5
- Fratura do terceiro arco costal direito
- Fratura do terço distal do corpo esterno
- Luxação do punho direito com lesão do ligamento escafo – semilunar

O que foi feito:
- Fixação da tíbia esquerda com uma haste intramedular.
- Fixação da sínfise púbica
- Artrodese da coluna na altura da L1.
- Redução e fixação do punho direito.