segunda-feira, 29 de maio de 2017

Expedição Serra do Ramalho 2017


--> A Gruna da Serra Verde e o povoado de Lagartixa

Texto: Ezio Luiz Rubbioli
Fotos e legendas: Daniel Menin

Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas

- Fica na “Largatixa”.
- Lagartixa. É – La-gar-ti-xa.
- Isso mesmo, na “Largatixa”. Disse que visitou várias cavernas, mas não entrou muito em nenhuma delas. Tinha várias fotos de entradas grandes e, pelo que entendi, é um lugar que nunca estivemos antes.

A Serra do Ramalho é um grande maciço calcário que ocupa boa parte dos municípios sul-baianos de Cocos, Coribe, Feira da Mata, Ramalho e Carinhanha, na margem esquerda do Rio São Francisco. Apesar da extensão territorial e os mais de 25 anos de exploração, é incrível que ainda existam áreas intocadas sob a ótica espeleológica. E a Lagartixa (ou povoado Ponta d`Água como preferem os moradores) parecia ser um destes locais “esquecidos”. Quem deu a dica foi uma jovem que mora em Descoberto (local onde estávamos hospedados) e havia feito um trabalho para a escola sobre as grutas e sítios arqueológicos. E as fotos eram prova disso: entradas grandes com muitas concreções e pinturas rupestres.

E foi assim que no dia 30 de abril, antes de voltar para Descoberto, depois de um dia de explorações, resolvemos averiguar as informações. O Povoado de Ponta d`Água fica na borda oeste da Serra do Ramalho em um maciço ligado ao afloramento principal por uma estreita faixa de calcário. Quase uma montanha separada. A estrada de acesso não é das melhores, mas permite que qualquer tipo de carro trafegue até o pequeno povoado. Seguindo uma estratégia de prospecção (que já é quase uma tradição) procuramos o bar mais bem localizado. No caso da Lagartixa, este ficava quase no cruzamento das duas únicas ruas de terra que formam o simpático aglomerado de casas que se alinham diante de imponentes paredões de calcário. Conversa vai, conversa vem e em menos de 10 minutos já tínhamos várias informações sobre cavernas e uma dúzia de dicas e nomes dos protagonistas que podiam

nos acompanhar. O mais incrível era que a nossa fama de “caçadores” de cavernas já havia nos precedido.

- Ahhh! São vocês que ficam entrando nas gruna lá do Morro Furado.
- E como é aquele sumidô lá de Descoberto??
- Tenho um livro sobre as gruna da região - era a revista O Carste que um dos moradores possuía e guardava com todo orgulho - orgulho nosso também.
Isso facilitava muito a conversa e evitava especulações sobre os nossos objetivos. Mas já era final do dia e não tínhamos tempo a perder.

A primeira gruta visitada não passou de um abrigo sem continuações. Algumas pinturas, espeleotemas corroídos, mas nada que justificasse a viagem. Já estávamos a caminho da segunda opção (agora guiados pelo morador Edmilson) que nos orientava por uma estrada esburacada e que mais parecia um caminho de boi. Estávamos prestes a desistir quando encontramos um senhor que vinha a pé no sentido contrário. Questionamos sobre a distância que ainda faltava. Não era muito para ir caminhando se não fosse tão tarde.
- Por que vocês não procuram o Beto ou o Marcelo? Eles andaram um dia inteiro dentro de uma gruna lá na terra deles.
- É mesmo? E o carro chega mais perto.

Meia volta e lá vamos nós atrás do Beto.
A poucos quilômetros dali, encontramos um jovem falador que logo se interessou pela nossa curiosidade: Josemar Silva Santos ou simplesmente Beto. Falou que havia entrado com mais dois companheiros em duas oportunidades na caverna. Na primeira entraram com tochas e quase morreram intoxicados. Na segunda vez foram mais preparados e andaram “umas quatro horas sem ver o fim da gruna”.
- Opa. É o que estamos procurando.
Mas já era tarde. O sol já estava perto do horizonte e o jeito foi combinar um retorno para o dia seguinte.

Chegamos cedo, pegamos o Edmilson e fomos na direção da casa do Beto. No caminho o grupo ainda foi engrossado por mais um morador que também queria conhecer a tal gruta. E quando finalmente chegamos na sua entrada, já éramos uma equipe com 10 pessoas; 6 espeleólogos e 4 guias sem lanterna, sem capacete e com muita disposição. Logo nos primeiros metros o teto baixava bruscamente e o Beto disse que as últimas chuvas haviam carregado muita terra.

- Acho que não dá para passar mais...Um dos guias desistiu de entrar na caverna.
Entramos rastejando na galeria baixa, quase entupida por galhos secos, folhas, terra, mas um vento forte não deixava dúvidas de que estávamos diante de uma gruta que continuava. Logo na frete a galeria tomou dimensões confortáveis com 10 metros de largura e mais de 5 de altura. O Beto ia descrevendo o que encontraríamos mostrando a veracidade das suas explorações pioneiras.
- Lá bem na frente vai ter um estreitamento, mas depois abre e não vimos o fim.

Andamos rápido cerca de 500 metros deixando várias passagens laterais para trás. As marcas no piso não deixavam dúvidas de que aquele sumidouro temporário (totalmente seco até ali) deveria ser periodicamente invadido por um volume considerável de água. Nos locais mais altos ainda era possível encontrar as marcas das pegadas do Beto e seus companheiros. Incrível como eles entraram tanto sem praticamente nenhum equipamento.

Mas era hora de começar a topografar. Dividimos o grupo em duas equipes: a primeira começaria o mapeamento na direção da entrada, e a segunda, voltaria até a boca e entraria topografando. 

Olhando sob uma ótica mais detalhada, a cavidade consiste basicamente de uma galeria principal e várias passagens paralelas menores. Ora a drenagem coincide com o conduto principal, ora busca caminho nas laterais, alargando fraturas mal dimensionadas para o fluxo. Quando abandonado pela drenagem o conduto principal acumula grandes quantidades de sedimentos que chegam a “entupir” as passagens até o teto.

Depois de algumas horas de topografia, as equipes finalmente se encontraram unindo as bases que vinham de direções opostas. Formando uma única equipe numerosa, era hora de partir para o desconhecido. Logo na frente uma bifurcação deixava dúvidas de onde seguir. A galeria da direita seguia para norte, a direção preferencial até ali. Por outro lado, o conduto da esquerda era bem maior. Escolhemos a primeira opção, mas logo nos primeiros metros o ar abafado e a atmosfera pesada indicavam que as chances de continuações estavam reduzidas. O teto abaixava de forma suave e depois de poucos metros deparamos com um lago raso e coberto de jangadas.

O teto abaixava ainda mais e para continuar era inevitável entrar na água. Voltamos à galeria tida como principal que agora segue voltada para oeste e sem muitas passagens laterais. Pouco mais de 150 metros e chegamos a uma passagem bem menor com cerca de 1,5 metros de altura e largura. As pegadas do Beto estavam por todo lado, e ele atestou que estávamos no tal “estreitamento”.

- Mas a gruta depois continua e volta a ficar grande, falou ele categoricamente.
Era um bom lugar para dar meia volta. Grande suficiente para animar um retorno, mas nem tanto para nos arrependermos depois. Saímos da gruta já de noite com 2 km de topografia acumulados nas planilhas de anotação, 6 espeleólogos contentes e já planejando as próximas expedições. Era o nosso últimos dia na Serra do Ramalho. A gruta recebeu o nome da fazenda: Serra Verde.

Já de volta à civilização, debrucei no computador sondando nas imagens do Google o potencial da região. Embora não seja tão extensa como o maciço principal, este afloramento se desenvolve bastante para norte, onde são bem visíveis grandes vales. E que venha a Expedição Lagartixa.

Pegando as dicas com amigos locais
Na Serra do Ramalho, as exuberante Barrigudas estão por todos os lados.




A primeira dica no povoado de Lagartixa não nos levou a uma caverna de fato, mas foram encontradas lindas pinturas rupestres no alto de um abrigo, provavelmente uma caverna obstruída por sedimentos.

Equipe no dia da primeira investida no povoado de Lagartixa,
minutos antes de entrar na caverna Serra Verde.

Alguns caminhos são sobre lajes e lapiás

Topografia na caverna Serra Verde
(mapeados 2km em 2 equipes e um só dia de trabalho)
Galeria ampla e bem ornamentada

No final de uma ramificação da caverna, um lago e muito sedimento.

No fundo da caverna, um animal desconhecido indica que pesquisadores devem retornar em breve.

Mais barrigudas

Última moda na Serra do Ramalho: Crocs e sombrinha para as trilhas.

Na montante de uma drenagem identificada por imagem de satélite:
esta foi a informação advinda de um minucioso trabalho de prospecção a distância que nos possibilitou descobrir a caverna do Otaviano.
Logo após a entrada, uma clarabóia ilumina uma larga galeria na Gruta do Otaviano

Sem pegadas, sem informações oficiais ou mesmo de locais,
tudo indica que esta caverna era até então desconhecida.
Condutos amplos e bem ornamentados
Adentrar em uma nova caverna, onde a cada metro uma surpresa nos aguarda é uma sensação difícil de descrever.



Na Caverna do Otaviano foram mapeados 1,5km de topografia em  2 dias de trabalho 

Parada para lanche e descanso

Uma ramificação leva a um conduto freático com mais de 600m extensão








O apoio e hospitalidade dos amigos locais faz toda a diferença na viagem, da hospedagem às dicas de novas cavernas.

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