(Texto Daniel Menin, Fotos Alexandre Camargo - Iscoti)
Os meses se passaram, mas a imagem da possível continuação da caverna no desmoronamento acima da escalada não saia da minha cabeça. Estaríamos a caminho
da conexão entre a caverna Ribeirãozinho e o abismo Los três Amigos? Encontrar
uma passagem que unisse ambas as cavernas seria um ato histórico, além de abrir
novos horizontes nas explorações da caverna Los Três Amigos, tão grande e
acessado somente através de um penoso abismo vertical.
Em fim, em Novembro conseguimos marcar a última viagem do
ano para Bulhas e o intuito seria justamente terminar a escalada e retirar, de
uma vez por todas este mistério de nossa frente.
Dois dias antes da data da viagem, padeci de um forte resfriado.
Só me faltava perder a viagem por conta de uma gripe! Algo me moveu a mesmo com febre e debilitado preparar os equipamentos e manter a viagem. Eu poderia até desistir de última hora, mas não antes de me certificar que realmente não daria para entrar na caverna por conta da gripe. Arrumei o carro e segui viagem!
Sexta-feira
choveu o dia todo e Sábado amanheceu também chovendo. O grupo era grande, embora a equipe de escalada estava formada apenas por mim e pelo Brandi. Desta vez, o Marcos não pode nos acompanhar. O tempo foi clareando e devido
a umidade e ao calor intenso não estávamos seguros de que o dia permaneceria
sem novas e pesadas chuvas.
Havíamos portanto, vários fatores jogando contra a
expedição. A Febre, a possibilidade de enchentes subterrâneas e o cansaço da semana insistiam em nos
sugerir uma atividade mais amena, porém nossa determinação nos fez seguir para a caverna Ribeirãozinho III, sem mesmo avaliar outras alternativas na região.
Chegando na caverna, após cerca de 2,5hs de trilha
escorregadia mais uma barreira: o rio estava mais de meio metro acima de seu nível normal, além de apresentar uma coloração escura. Ainda assim, pensando nas diversas zonas de
fuga em casos de enchentes (galerias superiores), resolvemos seguir diretamente
para o fundo, passando logo pelo desmoronamento que seria a parte mais perigosa e retomar logo a escalada deixadas na última viagem.
Ao chegar no salão encontramos, sem surpresas a corda fixada exatamente da maneira em
que havíamos deixado. Afastada da água, seca e sem muita argila acumulada.
Rapidamente montei meu equipamento de vertical e iniciei a subida. A primeira
progressão, cerca de 20 metros de corda ao lado de uma lisa parede negativa ao
lado do rio é confortável e tranquila. Após chegar no primeiro patamar,
passa-se por um fracionamento e segue-se para o segunto patamar. Este tem um
spit mal batido e a chapeleta ao ser tencionada pela subida torce de maneira incomum projetando
o spit para fora da rocha, portanto, exige muito cautela na subida.
Chegando neste segundo patamar fiquei aguardando o Brandi
que vinha subindo pela primeira via. Tive a confirmação do perigo da ancoragem
ao ver a chapeleta entortando durante a subida do Brandi. “Cuidado! Suba de
vagar! Tente escalar e utilizando a corda apenas como apoio secundário!”
Alertei rezando para que o spit aguentasse os trancos da subida. Felizmente o
Brandi chegou até mim sem nenhum problema. Não é a primeira vez que nos surpreendemos com
a margem de segurança dos equipamentos e ancoragens!
Resolvemos então dar continuidade na escalada. O Brandi
ficou na segurança enquanto que eu, na ponta da corda, escalei mais um ressalto
que nos separava de um outro patamar, mais acima na parede. A escalada foi
fácil e rápida, mas o patamar não era suficientemente seguro para que eu
ficasse em pé sem uma devida segurança. Ainda deitado, bati um spit na parede,
fiz minha segurança e fiquei em pé. Olhando para cima parecia estarmos muito
próximo de um desmoronamento, seria somente subir mais um ressalto para atingir
uma região menos inclinada. O spit não havia (novamente) ficado tão bem fixado
na parede então, vendo que logo acima do ressalto havia uma superfície sólida
de calcário resolvi fixar um novo spit neste ponto. Uma ancoragem boa nos daria
mais segurança para atacar a área desmoronada! O calcário estava bastante duro
e o spit travou quando estava quase todo dentro da rocha. Nada de rodar, nada
de sair e a posição, incômoda fez com que decidíssemos para bater um novo
spit. O Brandi subiu até mim e tomou a frente da escalada. Após bater este spit
ele iniciou a escalada pela área desmoronada. Era bem mais difícil do que
imaginávamos. A inclinação, aparentemente menor, não passava de uma mera ilusão
e além disso, esta parte era extremamente instável, com muitos blocos soltos e
argila, sem apoios para a escalada. Rastejando neste ambiente e buscando apoios para não escorregar o Brandi chegou até um grande
bloco, fez uma ancoragem móvel entalando um mosquetão em uma fissura da rocha e então bateu um spit. Esse sim parecia ter ficado mais seguro.
Já estávamos cansados. O cansaço do spit anterior e da escalada e minha tosse contínua e febre da gripe quase nos fizeram desistir de continuar a subir e deescer de volta para o rio. Avaliamos as alternativas e quando estávamos quase decididos em descer eu resolvi me juntar ao Brandi e tentar uma travessia horizontal para a esquerda, em direção a um possível conduto.
As cordas também estavam acabando. A principal terminava naquele ponto e dali em diante tínhamos apenas mais uma corda menor, com cerca de dez metros. Chegando no bloco onde o Brandi havia se ancorado, me fixei na ponta desta corda menor. O Brandi ficou na segurança e eu parti em direção da travessia. A parede era bastante inclinada e escorregadia por conta da argila. Abaixo, o vazio vertical sugeria o máximo cuidado para não cair. Além disso, muitos blocos soltos atrapalhavam a progressão. Um desses blocos com cerca de 1 metro de diâmetro se deslocou quando apoiei e voou até a galeria do rio causando um enorme estrondo. Os companheiros, lá embaixo na galeria do rio, se protegiam do bombardeio que vinha de cima. Na metade da travessia, quando buscava desesperadamente apoios na parede encontrei uma boa estalactite. lacei uma fita estrangulando a formação e me ancorei na amarra. Ufa! Passei um mosquetão e costurei a corda na ancoragem. Não era a melhor segurança do mundo, mas me daria uma chance a mais em caso de queda. Agora faltava só mais um pouco para chegar ao outro lado da passagem. Iluminando bem o caminho estava claro que se tratava de um conduto. Eu não conseguia ver a base, mas me parecia uma área totalmente horizontal. Continuei a travessia. A corda estava se acabando. Agora era a parte mais inclinada. Melhor não olhar para baixo! Encontrei um travertino onde pude me apoiar. Mais um impulso e cheguei até uns blocos maiores e uma área menos inclinada. A minha frente bastava mais alguns metros fáceis para entrar no conduto. Eu havia vencido a travessia! E o mais incrível é que a corda não tinha nem mais um metro disponível. Foi exatamente o tamanho da travessia. Ancorei uma fita em um bloco entalado na parede. Dupliquei a ancoragem batendo um spit na calcita e aguardei que o Brandi viesse até mim.
Ao chegar, deixamos a corda e adentramos no conduto. Não era um conduto tão grande, mas uma sala com algumas pequenas possibilidades de continuações laterais, entre blocos e uma estreita passagem no fundo, junto a estalactites e escorrimentos. Acabaria alí nossa exploração? Eu estava cansado e desanimado com as pequenas continuações visíveis quando escuto o Brandi gritando: "Continua! Continua!". Eu corro até ele e, ao meio as estalactites sinto um forte vento vindo da passagem. "Resta somente uma pequena escalada por este escorrimento, entre as formações e parece ser uma área ampla lá em cima!" afirma Brandi iluminando a passagem. Na primeira tentativa já consegui subir. Nem foi preciso se espremer muito para passar e logo estar de pé em um vasto salão. Ajudei o Brandi a passar e logo estávamos nós dois entusiasmados com aquela descoberta. Um enorme conduto, com possibilidades de continuações por vários lados. Repleto de grandes estalactites e colunas. Agora sim, definitivamente encontramos uma grande continuação! Uma área fóssil da caverna! Caminhamos mais um pouco e vimos que o conduto se abria ainda mais. Apesar da emoção e entusiasmo da caverna resolvemos deixar a exploração para outro dia, junto com a topografia desta nova região. Com o tempo, aprendemos e gerenciar as explorações e evoluir de maneira gradativa, junto com a devida documentação topográfica. Estávamos ali satisfeitos com a conquista e certos do breve retorno.
Resolvemos iniciar a descida.
A febre deve ter aumentado, pois me esqueci diversos equipementos dentro da caverna. Um Pantin, minha bolsa de spite, batedor, martelo... A descida foi rápida, mas o caminho de volta foi extremamente cansativo.
Em
fim, no Domingo fomos recuperar nossas forças em uma das mais maravilhosas
cachoeiras de Bulha D ´água. Energia renovada para a próxima expedição em busca
da conexão entre as cavernas Ribeirãozinho III e Los Três Amigos!
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 2 - Salão onde deixamos equipada a subida para o primeiro patamar
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 3 - Início da subida para retomar a escalada
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 4 - Daniel e Brandi iniciam escalada a partir do ponto abandonado na última viagem
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 5 - Esquema completo da escalada e novo conduto encontrado.
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 6 - Croquis e ficha técnica da escalada e novas áreas descobertas
(Daniel Menin)
Imagem 7 - Equipe no retorno da cevrna
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 8 - Domingo de descanso em cachoeira
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti
Imagem 9 - Equipe unida antes da investida
Foto: Alexandre Camargo - Iscoti