quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Escalada na Ribeirãozinho (a conclusão)


(Texto Daniel Menin, Fotos Alexandre Camargo - Iscoti)


Os meses se passaram, mas a imagem da possível continuação da caverna no desmoronamento acima da escalada não saia da minha cabeça. Estaríamos a caminho da conexão entre a caverna Ribeirãozinho e o abismo Los três Amigos? Encontrar uma passagem que unisse ambas as cavernas seria um ato histórico, além de abrir novos horizontes nas explorações da caverna Los Três Amigos, tão grande e acessado somente através de um penoso abismo vertical.

Em fim, em Novembro conseguimos marcar a última viagem do ano para Bulhas e o intuito seria justamente terminar a escalada e retirar, de uma vez por todas este mistério de nossa frente.

Dois dias antes da data da viagem, padeci de um forte resfriado. Só me faltava perder a viagem por conta de uma gripe! Algo me moveu a mesmo com febre e debilitado preparar os equipamentos e manter a viagem. Eu poderia até desistir de última hora, mas não antes de me certificar que realmente não daria para entrar na caverna por conta da gripe. Arrumei o carro e segui viagem!

Sexta-feira choveu o dia todo e Sábado amanheceu também chovendo. O grupo era grande, embora a equipe de escalada estava formada apenas por mim e pelo Brandi. Desta vez, o Marcos não pode nos acompanhar. O tempo foi clareando e devido a umidade e ao calor intenso não estávamos seguros de que o dia permaneceria sem novas e pesadas chuvas.

Havíamos portanto, vários fatores jogando contra a expedição. A Febre, a possibilidade de enchentes subterrâneas e o cansaço da semana insistiam em nos sugerir uma atividade mais amena, porém nossa determinação nos fez seguir para a caverna Ribeirãozinho III, sem mesmo avaliar outras alternativas na região.


Chegando na caverna, após cerca de 2,5hs de trilha escorregadia mais uma barreira: o rio estava mais de meio metro acima de seu nível normal, além de apresentar uma coloração escura. Ainda assim, pensando nas diversas zonas de fuga em casos de enchentes (galerias superiores), resolvemos seguir diretamente para o fundo, passando logo pelo desmoronamento que seria a parte mais perigosa e retomar logo a escalada deixadas na última viagem.


Ao chegar no salão encontramos, sem surpresas a corda fixada exatamente da maneira em que havíamos deixado. Afastada da água, seca e sem muita argila acumulada. Rapidamente montei meu equipamento de vertical e iniciei a subida. A primeira progressão, cerca de 20 metros de corda ao lado de uma lisa parede negativa ao lado do rio é confortável e tranquila. Após chegar no primeiro patamar, passa-se por um fracionamento e segue-se para o segunto patamar. Este tem um spit mal batido e a chapeleta ao ser tencionada pela subida torce de maneira incomum projetando o spit para fora da rocha, portanto, exige muito cautela na subida.

Chegando neste segundo patamar fiquei aguardando o Brandi que vinha subindo pela primeira via. Tive a confirmação do perigo da ancoragem ao ver a chapeleta entortando durante a subida do Brandi. “Cuidado! Suba de vagar! Tente escalar e utilizando a corda apenas como apoio secundário!” Alertei rezando para que o spit aguentasse os trancos da subida. Felizmente o Brandi chegou até mim sem nenhum problema. Não é a primeira vez que nos surpreendemos com a margem de segurança dos equipamentos e ancoragens!

Resolvemos então dar continuidade na escalada. O Brandi ficou na segurança enquanto que eu, na ponta da corda, escalei mais um ressalto que nos separava de um outro patamar, mais acima na parede. A escalada foi fácil e rápida, mas o patamar não era suficientemente seguro para que eu ficasse em pé sem uma devida segurança. Ainda deitado, bati um spit na parede, fiz minha segurança e fiquei em pé. Olhando para cima parecia estarmos muito próximo de um desmoronamento, seria somente subir mais um ressalto para atingir uma região menos inclinada. O spit não havia (novamente) ficado tão bem fixado na parede então, vendo que logo acima do ressalto havia uma superfície sólida de calcário resolvi fixar um novo spit neste ponto. Uma ancoragem boa nos daria mais segurança para atacar a área desmoronada! O calcário estava bastante duro e o spit travou quando estava quase todo dentro da rocha. Nada de rodar, nada de sair e a posição, incômoda fez com que decidíssemos para bater um novo spit. O Brandi subiu até mim e tomou a frente da escalada. Após bater este spit ele iniciou a escalada pela área desmoronada. Era bem mais difícil do que imaginávamos. A inclinação, aparentemente menor, não passava de uma mera ilusão e além disso, esta parte era extremamente instável, com muitos blocos soltos e argila, sem apoios para a escalada. Rastejando neste ambiente e buscando apoios para não escorregar o Brandi chegou até um grande bloco, fez uma ancoragem móvel entalando um mosquetão em uma fissura da rocha e então bateu um spit. Esse sim parecia ter ficado mais seguro.


Já estávamos cansados. O cansaço do spit anterior e da escalada e minha tosse contínua e febre da gripe quase nos fizeram desistir de continuar a subir e deescer de volta para o rio. Avaliamos as alternativas e quando estávamos quase decididos em descer eu resolvi me juntar ao Brandi e tentar uma travessia horizontal para a esquerda, em direção a um possível conduto.

As cordas também estavam acabando. A principal terminava naquele ponto e dali em diante tínhamos apenas mais uma corda menor, com cerca de dez metros. Chegando no bloco onde o Brandi havia se ancorado, me fixei na ponta desta corda menor. O Brandi ficou na segurança e eu parti em direção da travessia. A parede era bastante inclinada e escorregadia por conta da argila. Abaixo, o vazio vertical sugeria o máximo cuidado para não cair. Além disso, muitos blocos soltos atrapalhavam a progressão. Um desses blocos com cerca de 1 metro de diâmetro se deslocou quando apoiei e voou até a galeria do rio causando um enorme estrondo. Os companheiros, lá embaixo na galeria do rio, se protegiam do bombardeio que vinha de cima. Na metade da travessia, quando buscava desesperadamente apoios na parede encontrei uma boa estalactite. lacei uma fita estrangulando a formação e me ancorei na amarra. Ufa! Passei um mosquetão e costurei a corda na ancoragem. Não era a melhor segurança do mundo, mas me daria uma chance a mais em caso de queda. Agora faltava só mais um pouco para chegar ao outro lado da passagem. Iluminando bem o caminho estava claro que se tratava de um conduto. Eu não conseguia ver a base, mas me parecia uma área totalmente horizontal. Continuei a travessia. A corda estava se acabando. Agora era a parte mais inclinada. Melhor não olhar para baixo! Encontrei um travertino onde pude me apoiar. Mais um impulso e cheguei até uns blocos maiores e uma área menos inclinada. A minha frente bastava mais alguns metros fáceis para entrar no conduto. Eu havia vencido a travessia! E o mais incrível é que a corda não tinha nem mais um metro disponível. Foi exatamente o tamanho da travessia. Ancorei uma fita em um bloco entalado na parede. Dupliquei a ancoragem batendo um spit na calcita e aguardei que o Brandi viesse até mim.


Ao chegar, deixamos a corda e adentramos no conduto. Não era um conduto tão grande, mas uma sala com algumas pequenas possibilidades de continuações laterais, entre blocos e uma estreita passagem no fundo, junto a estalactites e escorrimentos. Acabaria alí nossa exploração? Eu estava cansado e desanimado com as pequenas continuações visíveis quando escuto o Brandi gritando: "Continua! Continua!". Eu corro até ele e, ao meio as estalactites sinto um forte vento vindo da passagem. "Resta somente uma pequena escalada por este escorrimento, entre as formações e parece ser uma área ampla lá em cima!" afirma Brandi iluminando a passagem. Na primeira tentativa já consegui subir. Nem foi preciso se espremer muito para passar e logo estar de pé em um vasto salão. Ajudei o Brandi a passar e logo estávamos nós dois entusiasmados com aquela descoberta. Um enorme conduto, com possibilidades de continuações por vários lados. Repleto de grandes estalactites e colunas. Agora sim, definitivamente encontramos uma grande continuação! Uma área fóssil da caverna! Caminhamos mais um pouco e vimos que o conduto se abria ainda mais. Apesar da emoção e entusiasmo da caverna resolvemos deixar a exploração para outro dia, junto com a topografia desta nova região. Com o tempo, aprendemos e gerenciar as explorações e evoluir de maneira gradativa, junto com a devida documentação topográfica. Estávamos ali satisfeitos com a conquista e certos do breve retorno.
Resolvemos iniciar a descida.
A febre deve ter aumentado, pois me esqueci diversos equipementos dentro da caverna. Um Pantin, minha bolsa de spite, batedor, martelo... A descida foi rápida, mas o caminho de volta foi extremamente cansativo.


Em fim, no Domingo fomos recuperar nossas forças em uma das mais maravilhosas cachoeiras de Bulha D ´água. Energia renovada para a próxima expedição em busca da conexão entre as cavernas Ribeirãozinho III e Los Três Amigos!



Imagem 1 - Chegada na caverna se deparando com o rio acima do normal
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti

Imagem 2 - Salão onde deixamos equipada a subida para o primeiro patamar
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti




Imagem 3 - Início da subida para retomar a escalada
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti


Imagem 4 -  Daniel e Brandi iniciam escalada a partir do ponto abandonado na última viagem
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti


Imagem 5 -  Esquema completo da escalada e novo conduto encontrado.
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti

Imagem 6 - Croquis e ficha técnica da escalada e novas áreas descobertas 
(Daniel Menin)




Imagem 7 - Equipe no retorno da cevrna
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti


Imagem 8 - Domingo de descanso em cachoeira
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti


Imagem 9 - Equipe unida antes da investida
 Foto: Alexandre Camargo - Iscoti


Escalada subterrânea na Ribeirãozinho III (o início)


Retomamos a escalada na caverna Ribeirãozinho III em Julho de 2012. Retomamos pois parte desta escalada já havia sido realizada pelo Brandi e outros espeleólogos anos antes, durante a topografia da caverna. Embora naquela ocasião a equipe não tenha encontrado continuações tão obvias, uma esperança de encontrarmos condutos superiores ou até mesmo uma conexão com a Caverna Los Três Amigos persistia por conta da proximidade entre as duas cavernas (mesmo rio!) e de uma teimosa corrente de ar que parecia soprar de cima naquele ponto da gruta.

Desta vez subimos eu e o Marcos. A primeira parte da escalada foi relativamente fácil, embora fosse tensa devido a morfologia da parede e as consequências de uma queda. Subi primeiro, levando a ponta da corda e o apoio moral do resto da equipe. Como não havia nenhuma possibilidade de segurança no meio do caminho, meu objetivo era subir direto, uns 20 metros, chegando até a um patamar já conquistado pelo Brandi e a equipe anos antes e instalar a corda em uma boa ancoragem para que o Marcos pudesse subir. A tensão da subida se justificava porque em caso de queda, a pessoa seria projetada para uma fenda em meio a blocos abatidos, logo abaixo da parede, por onde corria o rio da caverna. Além de se machucar com o choque nas pedras, certamente o infeliz seria levado pela água do rio para baixo da parede de escorrimento, se afogando. Iniciei a escalada tentando não me lembrar muito destas conseqüências. A ponta das botas aderiram bem na superfície. Joelhos, unhas e todas as superfícies de contato do corpo trabalhando ao máximo para evitar a mínima escorregada, que poderia gerar uma descida descontrolada. Em movimentos alternados entre escalada e rastejamento vertical fui avançando centímetro por centímetro até ganhar mais velocidade e em fim chegar no patamar sem muitos problemas. Ufa!
Instalei a corda em uma estalactite aparentemente resistente e o Marcos, em progressão porém sem confiar tanto na corda logo se juntou a mim.

Após uma exploração rápida, não vimos grandes possibilidades de continuações a não ser contornando a parede pela direita, por onde talvez conseguíssemos progredir para cima, justamente pelo lado indicado pelo Brandi como possível continuação. A passagem não era muito longa, porém tomada por argila estava bastante exposta e escorregadia. Abaixo, o vazio de uma parede negativa em queda livre até o fundo do salão por onde passava o rio.

Fiquei na segurança e o Marcos seguiu abrindo caminho pela parede. Chegamos ao patamar. Iluminando acima parecia estarmos abaixo de uma continuidade promissora. Após batermos um spit em uma parte exposta do calcário, iniciamos então mais um lance vertical de escalada. Era uma passagem curta, mas toda realizado sobre argila, sem absolutamente nenhum apoio para as mãos ou pés, com rochas soltas e há cerca de 30m de altura. Tentamos várias vezes. Em uma delas acabai escorregando e caindo de volta ao curto patamar onde eu e o Marcos, espremidos, agradecíamos a segurança do spit fixado na rocha. As tentativas nos foram esgotando física e psicologicamente até que na quinta ou sexta tentativa, após cavar apoios para os pés e utilizando literalmente a cabeça do Marcos como escada, consegui atingir uma superfície menos inclinada e rastejar até um novo patamar, há cerca de 4 metros acima do anterior e ainda mais estreito. Eu estava exausto. Me espremendo na parede fui rastejando até encontrar uma fenda horizontal mais protegida,  onde não houvesse riscos de deslizar para o vazio. Fiquei ali deitado por alguns minutos, me recuperando. Parecia que minhas forças haviam se esgotado, mas ao me colocar naquela situação eu teria que, no mínimo sair dela inteiro. Procurei alternativas para fixar a corda, mas não havia a mínima chance de amarra-la em alguma feição ou formação rochosa. Sem opções de ancoragem natural a única alternativa seria bater mais um spit. Limpando um pouco a argila, na parede ao meu lado, encontrei uma superfície aparentemente segura. Umas batidas com o martelo e o som emitido me deu a certeza de que se tratava de uma superfície maciça. Estava escolhido o local da ancoragem. E foi deitado e bem desajeitado que bati o spit na parede. Talvez tenha sido o spit mais demorado e mal batido que já inseri em uma caverna, mas foi o suficiente para que eu pudesse fazer minha proteção e descer. Mas antes de deixar o patamar e já seguro na ancoragem consegui ficar de pé naquele estreito patamar e iluminar a continuação da escalada, parede acima. Grandes blocos acima pareciam fazer parte de um desmoronamento que por sua vez parecia ser uma grande possibilidade de continuação. Por mais que estivéssemos entusiasmados e perto de alguma descoberta, a conclusão da escalada e o esclarecimento deste mistério não seria realizado naquele dia. Era Domingo, já estava tarde e estávamos exaustos. Resolvemos descer e voltar em outra oportunidade. Assim desci até o patamar de onde o Marcos fazia minha segurança e de lá rapelamos por uma via direta, suspensa no ar ao lado de uma bela parede até o rio da Ribeirãozinho.



(Imagem 1 - trabalho de escalada realizado na primeira viagem Daniel e Marcos - Foto: Alexandre Camargo - Iscoti)


As lembranças de quando eu estava deitado naquele estreito patamar, suspenso sobre um vazio negro abaixo e sem ainda uma solução de como sairia daquela situação não saiu da minha cabeça pelos meses que seguiram. Também não consegui me esquecer da imagem  da continuidade da escalada, com aquela continuação que nos prometia boas descobertas. Seria ali mesmo o caminho que ligaria a caverna Ribeirãozinho III com a grande Caverna do Los três Amigos? O rio é o mesmo, mas a caverna ainda não estava conectada. Uma conexão que abriria novos horizontes de exploração na caverna Los três Amigos. Uma gruta tão grande mas com um acesso vertical tão difícil e penoso.

(Imagem 2 - Descida do lance livre, abandonando a escalada na primeira viagem
Foto:Alexandre Camargo - Iscoti)

(Imagem 3 - Gruta Ribeirãozinho III, trata-se do mesmo rio da caverna Los Três Amigos.
A conexão pela água impossibilitada  por um sifão obrigou os espeleálogos a tentar via escalada
Foto:Alexandre Camargo - Iscoti)



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Acontece!

Palestra na próxima quarta feira (dia 7/11) na sede do Bambui em Belo Horizonte, sobre expedição ao Krubera e o mais profundo animal cavernícola identificado.

Para quem estiver em BH, uma excelente ocasião para conhecer mais sobre os trabalhos de bioespeleo no abismo mais profundo do mundo.