quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Escalada subterrânea na Ribeirãozinho III (o início)


Retomamos a escalada na caverna Ribeirãozinho III em Julho de 2012. Retomamos pois parte desta escalada já havia sido realizada pelo Brandi e outros espeleólogos anos antes, durante a topografia da caverna. Embora naquela ocasião a equipe não tenha encontrado continuações tão obvias, uma esperança de encontrarmos condutos superiores ou até mesmo uma conexão com a Caverna Los Três Amigos persistia por conta da proximidade entre as duas cavernas (mesmo rio!) e de uma teimosa corrente de ar que parecia soprar de cima naquele ponto da gruta.

Desta vez subimos eu e o Marcos. A primeira parte da escalada foi relativamente fácil, embora fosse tensa devido a morfologia da parede e as consequências de uma queda. Subi primeiro, levando a ponta da corda e o apoio moral do resto da equipe. Como não havia nenhuma possibilidade de segurança no meio do caminho, meu objetivo era subir direto, uns 20 metros, chegando até a um patamar já conquistado pelo Brandi e a equipe anos antes e instalar a corda em uma boa ancoragem para que o Marcos pudesse subir. A tensão da subida se justificava porque em caso de queda, a pessoa seria projetada para uma fenda em meio a blocos abatidos, logo abaixo da parede, por onde corria o rio da caverna. Além de se machucar com o choque nas pedras, certamente o infeliz seria levado pela água do rio para baixo da parede de escorrimento, se afogando. Iniciei a escalada tentando não me lembrar muito destas conseqüências. A ponta das botas aderiram bem na superfície. Joelhos, unhas e todas as superfícies de contato do corpo trabalhando ao máximo para evitar a mínima escorregada, que poderia gerar uma descida descontrolada. Em movimentos alternados entre escalada e rastejamento vertical fui avançando centímetro por centímetro até ganhar mais velocidade e em fim chegar no patamar sem muitos problemas. Ufa!
Instalei a corda em uma estalactite aparentemente resistente e o Marcos, em progressão porém sem confiar tanto na corda logo se juntou a mim.

Após uma exploração rápida, não vimos grandes possibilidades de continuações a não ser contornando a parede pela direita, por onde talvez conseguíssemos progredir para cima, justamente pelo lado indicado pelo Brandi como possível continuação. A passagem não era muito longa, porém tomada por argila estava bastante exposta e escorregadia. Abaixo, o vazio de uma parede negativa em queda livre até o fundo do salão por onde passava o rio.

Fiquei na segurança e o Marcos seguiu abrindo caminho pela parede. Chegamos ao patamar. Iluminando acima parecia estarmos abaixo de uma continuidade promissora. Após batermos um spit em uma parte exposta do calcário, iniciamos então mais um lance vertical de escalada. Era uma passagem curta, mas toda realizado sobre argila, sem absolutamente nenhum apoio para as mãos ou pés, com rochas soltas e há cerca de 30m de altura. Tentamos várias vezes. Em uma delas acabai escorregando e caindo de volta ao curto patamar onde eu e o Marcos, espremidos, agradecíamos a segurança do spit fixado na rocha. As tentativas nos foram esgotando física e psicologicamente até que na quinta ou sexta tentativa, após cavar apoios para os pés e utilizando literalmente a cabeça do Marcos como escada, consegui atingir uma superfície menos inclinada e rastejar até um novo patamar, há cerca de 4 metros acima do anterior e ainda mais estreito. Eu estava exausto. Me espremendo na parede fui rastejando até encontrar uma fenda horizontal mais protegida,  onde não houvesse riscos de deslizar para o vazio. Fiquei ali deitado por alguns minutos, me recuperando. Parecia que minhas forças haviam se esgotado, mas ao me colocar naquela situação eu teria que, no mínimo sair dela inteiro. Procurei alternativas para fixar a corda, mas não havia a mínima chance de amarra-la em alguma feição ou formação rochosa. Sem opções de ancoragem natural a única alternativa seria bater mais um spit. Limpando um pouco a argila, na parede ao meu lado, encontrei uma superfície aparentemente segura. Umas batidas com o martelo e o som emitido me deu a certeza de que se tratava de uma superfície maciça. Estava escolhido o local da ancoragem. E foi deitado e bem desajeitado que bati o spit na parede. Talvez tenha sido o spit mais demorado e mal batido que já inseri em uma caverna, mas foi o suficiente para que eu pudesse fazer minha proteção e descer. Mas antes de deixar o patamar e já seguro na ancoragem consegui ficar de pé naquele estreito patamar e iluminar a continuação da escalada, parede acima. Grandes blocos acima pareciam fazer parte de um desmoronamento que por sua vez parecia ser uma grande possibilidade de continuação. Por mais que estivéssemos entusiasmados e perto de alguma descoberta, a conclusão da escalada e o esclarecimento deste mistério não seria realizado naquele dia. Era Domingo, já estava tarde e estávamos exaustos. Resolvemos descer e voltar em outra oportunidade. Assim desci até o patamar de onde o Marcos fazia minha segurança e de lá rapelamos por uma via direta, suspensa no ar ao lado de uma bela parede até o rio da Ribeirãozinho.



(Imagem 1 - trabalho de escalada realizado na primeira viagem Daniel e Marcos - Foto: Alexandre Camargo - Iscoti)


As lembranças de quando eu estava deitado naquele estreito patamar, suspenso sobre um vazio negro abaixo e sem ainda uma solução de como sairia daquela situação não saiu da minha cabeça pelos meses que seguiram. Também não consegui me esquecer da imagem  da continuidade da escalada, com aquela continuação que nos prometia boas descobertas. Seria ali mesmo o caminho que ligaria a caverna Ribeirãozinho III com a grande Caverna do Los três Amigos? O rio é o mesmo, mas a caverna ainda não estava conectada. Uma conexão que abriria novos horizontes de exploração na caverna Los três Amigos. Uma gruta tão grande mas com um acesso vertical tão difícil e penoso.

(Imagem 2 - Descida do lance livre, abandonando a escalada na primeira viagem
Foto:Alexandre Camargo - Iscoti)

(Imagem 3 - Gruta Ribeirãozinho III, trata-se do mesmo rio da caverna Los Três Amigos.
A conexão pela água impossibilitada  por um sifão obrigou os espeleálogos a tentar via escalada
Foto:Alexandre Camargo - Iscoti)



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