Saída de 17 e 18 de Agosto de 2019
A
última vez em que descemos o abismo tivemos uma surpresa: na parte mais
distante à jusante da caverna nos deparamos com pegadas. Eram marcas antigas, de
bota, provavelmente de algum espeleólogo ou explorador que adentrou na caverna
por outro caminho diferente ao que usamos pelas cordas, o que nos intrigou
muito.
O palpite
principal era que esta pessoa poderia ter vindo de cima, por um íngreme escorrimento
em uma das paredes do último conduto de rio explorado por nós. Que ali haveria uma conexão com uma entrada mais fácil, por cima.
Esta
viagem portanto estava planejada para se chegar até este ponto e escalar o
escorrimento. Devido ao número de pessoas, dividimos a saída em duas equipes
de fundo e uma equipe de superfície. A primeira (A) com objetivo principal de
chegar ao extremo Leste e escalar o conduto das pegadas. Uma segunda (B) com a
intenção de retornar à montante (extremo Oeste) e averiguar possíveis escaladas
nos salões superiores. Já a terceira seguiria os trabalhos de prospecção
externa em busca de alguma entrada superior, além do apoio da logística e
segurança em caso de resgate.
A
equipe de escalada estava formada por mim e mais 2 espeleólogos de Brasília: o
Adolpho e Rodrigo Severo. A segunda equipe foi formada por dois espeleólogos
locais (Dudu e Maurício) e o Alberto, de São Paulo. Já a terceira equipe estava
formada pelo Fábio, Adelino e Zé Guapiara.
Devido
à distância e complexidade da atividade, a equipe A estava preparada para, ao
retorno, dormir no patamar a -40m da entrada retornando para a casa de pesquisa
somente Domingo de manhã ou a tarde. Já as duas outras equipes estavam
preparadas para retornar no mesmo dia.
Além
de nossos pertences pessoais, estávamos bastante carregados por conta da
escalada (furadeira e cordas suplementares) e o apoio da equipe B foi essencial
carregando alguns equipamentos até o patamar.
Entramos
na trilha as 8h30 da manhã, chegando na boca da caverna em 1h40 de caminhada.
Quando estávamos equipando a primeira descida, encontramos a segunda equipe
chegando pela trilha. Entramos todos na
caverna por volta das 10h30 do Sábado.
Nossa
equipe desceu na frente seguindo direto até a sala do voo livre. Na descida, fui
refazendo alguns nós para tirar a pressão constante dos mesmos pontos de corda.
Uma vez com equipe reunida no salão do voo-livre, seguimos caminho por entre os
grandes blocos rumo à Leste da caverna. O caminho está relativamente marcado o
que facilitou a progressão. Os grandes blocos e desníveis desta parte da
caverna dificultam bastante o avanço.
Fizemos
algumas rápidas paradas para fotografar o corrimão calcificado na passagem da
grande cortina e continuamos nosso caminho ao extremo da caverna. Depois de
passar pelas grandes salas acessa-se enfim o conduto de rio. O rio em algumas
partes parece cortar o acabamento da rocha formando pequenas cachoeiras,
corredeiras e belos poços. Aproveitamos para fazer algumas fotos enquanto
caminhávamos. Por volta do meio-dia chegamos ao conduto fóssil onde havíamos
explorado na última viagem e de onde é necessário novo vertical para acessar
novamente o rio.
Após
algumas tentativas de otimização de cordas, acabamos usando uma de 10m para
esta primeira aproximação e outras duas cordas para a descida vertical. Desta
vez, deixamos todo o sistema equipado para uma próxima incursão.
Chegamos
ao ponto de escala as 13h30. Após cozinhar um banquete liofilizado de frango
com feijão, iniciamos a escalada. Com o auxílio da furadeira, fui montando seguranças
psicológicas ao longo do escorrimento. Sem muito apoio, a subida seguiu por uma
inclinação de 45 a 70 graus com parabolts mal colocados servindo apenas de
apoio moral para a subida. O Rodrigo foi fazendo minha segurança e o limite do
tamanho da corda foi suficiente para se chegar até um ponto menos inclinado
onde fiz uma ancoragem dupla e desta vez com parabolts bem fixados na rocha.
Nos juntamos os três no patamar. Era uma sala bonita, com grandes travertinos
ainda ativos e profundos. De lá foi possível subir mais um lance, com início
totalmente vertical e outra área inclinada onde pude fazer uma ancoragem segura
em grandes estalagmites. Novamente ambos se uniram a mim em outro patamar muito
ornamentado, repleto de canudos e colunas de 2 a 4m. Dali em diante a escalada
ficaria muito mais difícil. Teríamos que subir entre frágeis concreções por uma
parede parte negativa e sem grandes possibilidades de continuação. Era possível
ver parte do teto da gruta a cerca de uma dezena de metros acima. Estávamos
bastante expostos, com o rio cerca de 30m abaixo e a escalada não seria nada
fácil. Achamos melhor desistir e descer recolhendo a corda.
Uma
vez no rio, resolvi avançar por alguns metros até o desmoronamento de onde
vimos as pegadas. A incursão foi rápida e observei algumas possíveis
continuações entre blocos, principalmente por partes bastante altas ou entre a
água. As 20h iniciamos o retorno para nosso acampamento. Voltamos direto, com
algumas rápidas paradas para troca de baterias de lanterna e lanches.
Chegando
próximo ao salão do voo livre escutamos vozes da segunda equipe que estava
subindo a corda do rio, entre os grandes blocos desmoronados. Iniciamos direto a
subida do voo livre com intuito de evitar longas esperas. Cansado, fui o
primeiro a entrar na corda e devo ter levado cerca de 30 minutos para subir
todo o lance. Logo após veio o Rodrigo que - em forma - levou apenas 10 minutos
para subir carregando duas mochilas.
Chegamos
no patamar a -40m, local de nosso acampamento, por volta da meia-noite. Cansados,
nem fizemos comida mas preparamos nosso acampamento para dormir o mais rápido
possível. Desta vez levamos isolante, novas mantas térmicas e sacos de dormir o
que tornou a noite muito mais agradável. Por volta da 1h30 da manhã ouvi a
segunda equipe passando por nós, mas estava cansado demais para levantar e
conversar. Dali em diante foi uma alternância de sono, dores no corpo e despertar
com fortes roncos que vinham da direção do Adolpho até que as 9h da manhã resolvemos
levantar acampamento. Fizemos nova refeição quente, juntamos as coisas e
iniciamos o restante da subida pelas cordas. Ao se aproximar dos últimos lances
ouvi alguém gritando do lado de fora: era o Zé Guapiara, que estava na boca da
caverna havia cerca de 2h nos aguardando. Santa ajuda! Iniciamos a trilha de
retorno por volta do meio dia e chemos na casa de pesquisa as 13h30. No caminho
ainda encontramos o restante das equipes que vinham voltando da casa para a
caverna preocupados com o horário.
A
equipe B relatou não ter subido para as salas superiores, mas decidido tentar
passagens pelo rio à montante. Sem a topografia em mãos, informaram ter passado
por um desmoronamento no extremo Oeste da caverna e seguido o rio por mais
cerca de 100m. Com a descoberta desta passagem no desmoronamento, a caverna
avançou em direção à Ribeirãozinho II acabando em um sifão praticamente colado
nesta outra gruta. Uma próxima viagem já está sendo organizada para estas duas
grutas bem como para a topografia deste conduto ainda não mapeado. Também
deverá ocorrer mais uma incursão ao conduto das pegadas para tentar passagens
através do desmoronamento.
Já a equipe externa (C) prospectou na região da Caverna Bananeira Preta, ao sul do abismo Los Tres Amigos, constatando a impossibilidade de alguma conexão desta caverna com o abismo. Caminharam também por todo paredão do vale da Bananeira Preta até a gruta Ponte Caída, um sumidouro entre o Abismo e a Caverna Ribeirãozinho III. Foi encontrada uma nova caverna na região, nomeada de Toca da Bananinha, entretanto sem continuidades.
A
caverna Los Tres Amigos continua portanto desafiando os espeleólogos. As
incursões são cada vez mais distante e longas exigindo equipes preparadas e
logísticas apuradas.
Equipe A iniciando a trilha (8h30) |
Equipes B e C saindo da casa (por volta das 9h30) |
Corrimão calcificado, na passagem da cortina gigante. |
Conduto de rio com corredeiras e pequenas cachoeiras, no extremo Leste da caverna (jusante) |
Almoço sendo preparado antes dos trabalhos de escalada. |
Menu do dia: frango e feijão liofilizados, frutas secas e chocolate. |
Selfie no mais alto patamar da escalada: conduto extremamente ornamentado com colunas e canudos. |
Acho que meu nariz estava coçando enquanto eu escalava... |
Acampamento montado no patamar a -40m da entrada da caverna. |
Local expressamente proibido para sonâmbulos: risco de queda em abismos por todo lado.
Último sobrevivente saindo da caverna (Domingo por volta do meio-dia) |
Enfim equipe A fora da caverna: Zé Guapiara nos aguardava para apoio na trilha de volta (graças!) |
Equipe B no extremo Oeste. |
Uma passagem descoberta entre blocos revelou a continuidade de pelo menos mais 100m de amplo conduto de rio. |
Equipe C em prospecção externa. |
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