Texto original: Luiz Lo Sardo
Colaboração: Diego Ferreira e Rodrigo Severo
Revisão: Daniel Menin
A Espeleologia no Brasil, bem como o Espeleorresgate, são atividades praticamente desconhecidas da maioria da população.
O acidente na caverna da Tailândia despertou enorme comoção das pessoas e da mídia. Durante os últimos quinze dias este assunto foi muito comentado e discutido nos diversos meios de comunicação.
Nenhuma operação de resgate é simples, mas em caverna geralmente as condições são muito agravadas pelo ambiente inóspito que elas oferecem. É um ambiente muito particular e cheio de obstáculos, por exemplo, ramificações a partir do conduto principal, tetos baixos, abismos, condutos estreitos, sifões, etc. Por isto mesmo os resgates
dentro de cavernas são complexos, costumam ser longos e demandam um grande
efetivo. Além disso, é necessário ajudar a(s) vítima(s) sem piorar seu estado clínico ou psíquico e ainda evitar que novos acidentes aconteçam em cadeia no decorrer do resgate inicial. Por isso, as pessoas acostumadas a esse ambiente - os
espeleólogos - são as mais indicadas para executar um resgate debaixo da terra.
O Brasil possui um grupo voluntário de espeleorresgate. Formado
por espeleólogos experientes e treinados na sua especificidade, estão aptos a efetuar uma
operação de resgate em qualquer condição ou lugar dentro de uma caverna. Esse Grupo está
ligado a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), através da Comissão de
Espeleo Resgate (CER), treinado pelo Spéléo Secours Français (SSF) é uma das
entidades mais respeitadas no mundo.
Abaixo segue uma análise da Comissão de Espeleo Resgate do Brasil (CER) não somente sobre o ocorrido na Tailândia, mas dando um panorama geral do assunto no âmbito nacional.
As estruturas nacionais
Alguns países possuem grupos voluntários de espeleorresgate, formados por espeleólogos experientes e treinados na sua especificidade para efetuar uma operação de resgate em qualquer condição ou lugar da gruta. O Spéléo Secours Français (SSF) é uma das entidades mais respeitadas no mundo, sua expertise é compartilhada com diversos países, inclusive o Brasil.
Nos últimos dez anos integrantes do SSF veem qualificando brasileiros, através de cursos básicos e avançados tanto no Brasil como na França. Uma parte desse grupo de espeleólogos capacitados estão reunidos e organizados através da Comissão de Espeleorresgate (CER) da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE). Até o momento aproximadamente 250 brasileiros já participaram do treinamento para atuarem em resgates espeleológicos das mais variadas formas e de acordo com os padrões e organização professados pelo SSF.
Suas especialidades são: gestão, assistência e socorro à vítima, comunicação, exploração, sistemas verticais, bombeamento, desobstrução, ventilação, evacuação, mergulho, entre outras.
É importante ressaltar que no Brasil o Corpo de Bombeiros Militar (CBM) é a instituição legalmente responsável por todo tipo de resgate, entretanto o CBM possui muitas outras atribuições ligadas à ocorrências mais comuns no dia a dia como acidentes de trânsito, combate à incêndio, busca e salvamento em matas, afogamento, etc. Sendo assim a CER defende uma cooperação entre CBM e CER, exatamente como ocorre em outros países, incluindo a França.
O mergulho em caverna no Brasil
Durante os últimos 12 anos, o desenvolvimento do mergulho em cavernas no Brasil foi significativamente reprimido, através da Instrução Normativa nº 100/2006 do IBAMA (IN 100/2006). A idéia de regulamentar o mergulho em cavernas no país acabou por, praticamente, proibir a atividade. A Instrução Normativa nº 2/2018 do IBAMA revogou a IN 100/2006 do mesmo órgão. Com ela o mergulho em cavernas no Brasil foi novamente autorizado, exigindo-se que sejam respeitadas as regras, seja da Unidade de Conservação, seja do Plano de Manejo, a depender da localização da cavidade ser em áreas de proteção públicas ou privadas respectivamente.
A CER/SBE e o Brasil já contam com um primeiro mergulhador de resgate em cavernas treinado pelo SSF (Spéléo Secours Français) desde outubro de 2016. Esse treinamento acontece dentro do programa de formação de espeleorresgatistas iniciado a cerca de 10 anos.
O Brasil também conta com dois coordenadores regionais da IUCRR (International Underwater Cave Rescue and Recovery), uma instituição voltada para o resgate e recuperação em cavernas completamente alagadas, diferentemente do SSF, que abrange também o interesse por cavernas mistas (secas e com trechos alagados denominados sifões), como no caso da Tailândia. Acidentes em cavernas completamente alagadas raramente oferecem a chance do resgate das vítimas com vida, entretanto alguns casos já foram registrados.
A Espeleologia e o Espeleorresgate no Brasil
No Brasil, a Espeleologia e o Espeleorresgate são atividades pouco conhecidas. O acidente na caverna da Tailândia despertou enorme interesse e comoção das pessoas e da mídia. E, durante os últimos quinze dias, esse assunto foi muito comentado e discutido nos diversos meios de comunicação e nas mídias sociais. Se, por uma lado essa repercussão foi positiva por evidenciar a atividade, por outro lado foi negativa, pois concepções errôneas sobre o resgate e a própria atividade foram veiculadas por pessoas com pouco conhecimento sobre estas atividades.
Mobilizados mas não acionados
O acidente com o espeleólogo espanhol Cecílio Lopez Terceiro à -400 m de profundidade e a 2 km da entrada da Caverna Intimachay, localizada na Amazônia Peruana, que explorava, junto com outros três espeleólogos em 2014, resultou em uma operação de resgate que demorou 12 dias, mobilizou um efetivo de cerca de 100 pessoas, dos quais mais da metade eram espanhóis.
Uma equipe composta por espeleorresgatistas brasileiros, hoje integrantes da CER/SBE, permaneceu em alerta e pronta para partir por 7 dias para auxiliar nesse resgate. Esta equipe contava com 12 integrantes que aguardavam somente a luz verde do governo peruano para atuar e acabou não sendo acionada.
Da mesma maneira, agora em 2018, uma equipe de 20 espeleorresgatistas do SSF com 6 toneladas de equipamentos se mobilizou para auxiliar no resgate na Tailândia. Também neste caso acabou não sendo acionada.
Cronologia do resgate na Tailândia
Sábado 23/06/2018
Um time de futebol com doze meninos de 11 a 16 anos e seu treinador de 25 anos entram na Caverna Tham Luang Nang Non após o treino de futebol para comemorar o aniversário do garoto Pheeraphat. Não voltam para casa e são dados como desaparecidos.
Domingo 24/06/2018
As autoridades começam as buscas e acham bicicletas e chuteiras perto da entrada da caverna. A suspeita é que ficaram presos por fortes chuvas e provável inundação da gruta. Polícia e funcionários do parque iniciam as buscas no interior da caverna. As chuvas continuam castigando a região. Pegadas e marcas de mãos são encontradas e desconfia-se que eles foram forçados a entrar mais e mais para fugir da enchente.
Segunda-Feira 25/06/2018
Mergulhadores da marinha tailandesa continuam as buscas. Devido às fortes chuvas que seguem acredita-se que o grupo estava num local chamado Praia de Pattaya. Santuários são montados para os pais orarem.
Terça-Feira 26/06/2018
Mergulhadores da marinha tailandesa são forçados a voltar ao chegar a um sifão apertado formado perto da Praia de Pattaya. O líder da Junta da Tailândia pede à Tailândia que apoie o resgate. O SSF, com apoio do governo francês, inicia a conversa e entrega uma proposta de ajuda no resgate para o governo da tailandês.
Quarta-Feira 27/06/2018
Trinta militares americanos que atuam no Pacífico chegam à noite ao local. Eles se juntam a três espeleomergulhadores britânicos mas não conseguem progredir na caverna devido ao aumento do nível da água ocasionado pelas fortes chuvas.
Quinta-Feira 28/06/2018
As chuvas não cessam e as buscas são interrompidas. São instaladas bombas de drenagem de água. Espeleólogos britânicos percorrem a montanha em busca de entradas alternativas.
Sexta-Feira 29/06/2018
É encontrada uma fenda que precisa ser explorada para verificar se existe conexão com a galeria principal. A Embaixada da França em Bangkok contacta o SSF para obter detalhes dessa proposta de ajuda. O SSF oferece gratuitamente para a Tailândia o apoio de uma equipe composta de 20 espeleorresgatistas com especialistas em diversas áreas como: logística e gestão, mergulhadores, médicos mergulhadores, especialistas em comunicação com ou sem fio (Speleofone e TPS), bombeamento, desobstrução, etc. Para essa operação seriam enviados aproximadamente 6 toneladas de equipamentos. A partir da luz verde estariam prontos para partir em 24horas.
Sábado 30/06/2018
As chuvas diminuem e os espeleomergulhadores britânicos conseguem reiniciar as buscas. Soldados Tailandeses fazem exercícios de evacuação.
Domingo 01/07/2018
Uma pausa nas chuvas permite maior avanço dos mergulhadores. Inúmeros cilindros de ar comprimido são levados para a caverna, propiciando o avanço das equipes de busca. As negociações avançam e o SSF aguarda para implementar toda a sua capacidade e expertise em resgates subterrâneos.
Segunda-Feira 02/07/2018
Os espeleomergulhadores britânicos Richard Stanton e John Volanthen encontram o grupo cerca de 400 m após a Praia de Pattaya onde se imaginava inicialmente que estariam. Todos vivos e sem ferimentos significativos. A prioridade agora é levar alimentos e primeiros socorros. O SSF continua em alerta esperando a solicitação oficial do Governo Tailandês.
Terça-Feira 03/07/2018
Alguns soldados e um médico acompanham os meninos. Cobertores de emergência e alguns sorrisos são vistos em fotos.
Quarta-Feira 04/07/2018
A família de Pheeraphat guarda na geladeira o bolo para o aniversário de 17 anos de seu filho. São avaliadas alternativas para o resgate.
Quinta-Feira 05/07/2018
O mergulhador ex-integrante da marinha tailandesa Saman Kunan morre após deixar suprimentos aos garotos. Com esta fatalidade fica ainda mais evidente que a alternativa de sair com os meninos mergulhando é bastante arriscada.
Sexta-Feira 06/07/2018
É introduzido um duto de ar para garantir o suprimento de ar aos meninos, treinador e resgatistas pois os percentuais de oxigênio e dióxido de carbono na caverna estão respectivamente descendo e subindo atingindo níveis preocupantes. Vários mergulhadores estrangeiros chegam à Tailândia como voluntários.
Sábado 07/07/2018
Cartas são enviadas aos familiares. Técnico pede desculpas às famílias. Previsão de bom tempo por três ou quatro dias e a instalação de várias bombas de sucção podem permitir evacuação por mergulho mais curtos.
Domingo 08/07/2018
A operação de resgate começa na madrugada. Meninos saíram mergulhando, com máscaras Full Face e acompanhados pelos mergulhadores especialistas. Pela manhã os quatro primeiros meninos estavam fora da caverna.
Segunda-Feira 09/07/2018
Após pausa para o descanso, os mesmos mergulhadores voltam e retiram mais quatro meninos. Helicópteros e ambulâncias aguardam na saída.
Terça Feira 10/07/2018
Os últimos quatro meninos são resgatados. Às 8:50h sai o técnico, a última vítima. Soldados e o médico anestesista australiano são os últimos a deixar as áreas de mergulho. Durante a desmobilização as bombas de sucção param de funcionar e o nível da água sobe. Os resgatistas precisam evacuar a caverna às pressas.
Conclusão
Finalizamos este texto com sentimento de alívio, pois, embora infelizmente tenha havido a morte de um dos resgatistas, todas as vítimas foram resgatadas com sucesso.
A nós cabe parabenizar pelo sucesso da operação que envolveu militares e muitos civis que puderam auxiliar de maneira importante por serem especialistas em uma ou mais técnicas necessárias ao resgate. Este é mais um exemplo de que a cooperação entre órgãos públicos, e instituições especializadas que congregam pessoas que estão frequentemente se atualizando e treinando, como é o caso da CER, é uma excelente saída para resgates altamente técnicos como o que ocorreu na Tailândia.
Comissão de Espeleorresgate
Luiz Lo Sardo Neto
CER 100SP12
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