"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"

Leonardo Da Vinci

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Abismo Los Três Amigos: continuações, chuvas, condutos enormes e... uma nova entrada?


Textos e fotos: Daniel Menin e Fabio Von Tein

No último final de semana, 1 e 2 de Dezembro, estivemos novamente em Bulha D'Água, PETAR, SP para dar andamento aos trabalhos sistemáticos de exploração e mapeamento das cavernas da região.

Na Sexta-feira, como já é de costume, dormimos na casa do Zé Guapiara, último trecho possível de estrada de terra a se fazer com carro comum. A viagem foi mais cansativa do que de costume devido às fortes chuvas que parece terem insistido em seguir por cima de nosso carro desde a saída de São Paulo.


Não posso dizer que consegui efetivamente dormir de Sexta para Sábado. Além da ansiedade para o dia seguinte, não foi o barulho dos trovões, mas uma sinfonia em último volume de roncos que atrapalhou. O sono veio mesmo naquele cochilo de manhã cedinho, pouco antes de levantar.


Malas arrumadas e subimos no trator. Aquela felicidade com a trilha menor da última viagem logo foi literalmente por água abaixo quando soubemos que a estrada aberta não poderia ser feita nem por trator desta vez, o que nos obrigou a ir até a casa de pesquisa e percorrer o tradicional caminho de quase 2h no sobe e desce de trilhas até a caverna.

Desta vez, foram organizadas duas equipes sendo a primeira para descer o Abismo Los Três Amigos e a segunda para prospecção externa em busca de novas entradas.

Abaixo seguem os relatos de cada equipe, bem como imagens e resultados da viagem:


Equipe 1: fundo

O objetivo nesta viagem era de retomar a exploração e topografia no setor Leste da caverna, à jusante do rio. Há quase dez anos, apenas uma equipe esteve daquele lado, quando Ezio, Lilia e Cesar mapearam um enorme conduto fóssil até um trecho vertical de onde ouvia-se o barulho do rio metros abaixo, mas sem a possibilidade de descer devido a um lance vertical de aproximadamente 17m (indicado no croquis). A equipe também deixou algumas laterais em aberto no conduto principal o que deveria ser revisto nesta viagem.

Entramos na caverna as 12h do Sábado, nos separando da equipe externa. Em apenas 3 espeleólogos (Daniel, Ives e Eduardo), descemos rápido até o salão do vôo-livre, onde fizemos um rápido lanche. Obviamente nos perdemos um pouco para encontrar o caminho que desce do salão para acessar o grande conduto à Leste. Acontece que os desníveis e blocos enormes dificultam muito o caminhamento naquele ponto da caverna existindo poucos acessos para qualquer lado que seja.

Seguimos pelo conduto ora descendo para o rio, ora por cima de blocos até encontrarmos uma passagem bastante exposta ao lado de um escorrimento. Pude então observar um corrimão instalado há dez anos pelo Ezio. Corda, mosquetão, nó... tudo estava calcificado incorporando-se à formação. Incrível a velocidade de calcificação nestas condições de escorrimento ativo. Conseguimos transpor o corrimão sem grandes problemas e nos deparamos com a supercortina, formação conhecida por mim apenas por um croquis há dez anos. Realmente trata-se de uma formação impressionante, sem dúvida a maior cortina que eu já vi em minha vida, com mais de 2 metros de largura, cerca de 50cm de diâmetro e 30 de altura. Prometi que faria uma fotografia na volta.

Seguimos por um conduto de rio com bastante água e corredeiras. Em alguns lugares imaginei a força da água em um caso de enchente, mas ao mesmo tempo o conduto oferecia muitos pontos de fuga.


Chegamos a um desmoronamento cujo caminho por baixo parecia impossível. Apenas uma escalada muito exposta e em negativo nos levaria até uma visível grande área superior. Tentamos entre os blocos e já estávamos quase desistindo quando conseguimos passar por um estreito local e acessar a parte alta do conduto. Mais alguns metros e constatamos ter chegado ao final da área mapeada. De cima de um terraço podíamos ouvir o rio lá embaixo e a continuação do conduto, mas não podíamos vê-lo. Tentei descer entre blocos e cheguei a uma lada com boas condições de iniciar um rappel. Como levamos conosco 20m de corda, fiz uma ancoragem natural em 2 estalagmites bem confiáveis e iniciei a descida. Cheguei até uma borda não muito segura. Daí em diante eu ficaria totalmente pendurado e portanto deveria dispor de proteção de corda ou instalar um fracionamento. Sem chances de novas ancoragens naturais ou de bater um spit (não levamos batedor), deixei a descida para outro dia. Pelo que puder ver da borda do terraço, a corda seria insuficiente para descer o que me desanimou de forçar e me pendurar.

Subimos recolhendo toda a corda e a deixei enrolada em um lugar bem visível para a próxima viagem.

Fiz um croquis para completar o mapa e iniciamos nossa volta.

Durante o caminho da volta, mapeamos um longo trecho de rio deixado em aberto na primeira topografia. Tratava-se nada menos do que um conduto com cerca de 8m de diâmetro e mais de 30 de altura. Realmente, as proporções na caverna Los Três Amigos deixam qualquer outra gruta inexplorada para trás...

Chegamos na base do vôo-livre as 23h da noite. O último espeleólogo (no caso, eu) chegiu no patamar da soneca, a -40m da entrada a 1h da manhã encontrando os demais já esquentando água para um delicioso Cup Noodles...

Também fiz meu jantar, tirei o macacão molhado e os equipamentos e tratei de preparar um ponto quente para descansar. Enrolado em uma manta térmica e me espremendo em um pequeno pedaço de isolante térmico dormi profundamente por umas 3h e depois alternei entre descanso e chá quente até as 5h40 quando resolvemos seguir caminho.

As 8h30 da manhã de Domingo chegávamos cansados na casa de pesquisa sendo recebidos pela equipe externa com a notícia de terem encontrado uma possível nova entrada.


Equipe 2: prospecção externa


Iniciamos uma trilha contornando o abismo dos ossos pelo lado norte. Logo no início encontramos uma bela jararaca de 1,5m a poucos centímetros de nosso caminho, que se assustou e sumiu mato adentro. Seguimos o caminho recém-aberto e em seguida viramos a sul, seguindo o que seria o mapa da gruta muitos metros abaixo.

O caminho segue por uma sequência de grandes dolinas, indicando que a gruta possui uma enorme quantidade de galerias fósseis a poucos metros da superfície. Entretanto não achamos nenhuma passagem.

Neste rumo chegamos à beira do que seria o topo do vale do sumidouro da gruta Ribeirãozinho, uma região repleta de grandes blocos calcários.

Zé Guapiara havia comentado que já conhecia o lado oeste, indo de encontro a gruta João Dias, e decidimos, portanto, seguir a leste, onde avistávamos grandes paredões calcários brancos.

A descida foi árdua, sempre entre muitos blocos, mas eventualmente chegamos na base do paredão branco, que se mostrou um grande abrigo de rocha desmoronado e com forte declive. A lateral esquerda segue por diversos metros, formando salões. Uma nova caverna, mas sem, entretanto, apresentar seguimento. Já o lado direito também apresenta continuidade, mas aqui podemos sentir uma clara corrente de ar. Foi identificada uma passagem estreita, ligeiramente obstruída, que pode oferecer seguimento se melhor explorado. Acreditamos que pode haver aqui uma passagem aos salões superiores da gruta L3A, no extremo oeste da mesma.

Ao sairmos, continuamos a descer o vale, seguindo o som do rio muitos metros abaixo, no sentido do sumidouro e pouco mais abaixo achamos outra boca com vento, mais estreita, mas claramente com forte corrente de ar. Este é mais um lugar que precisa ser melhor explorado.

Continuamos a descida e eventualmente chegamos ao rio, iniciando a árdua subida pela antiga trilha, chegando de volta ao abrigo depois de duas horas de caminhada.

A região promete. Novas possibilidades de acesso ao L3A precisam ser detalhadamente exploradas, e quem sabe, oferecer um acesso mais fácil à maior e mais fantástica caverna da região.


Equipagem da entrada da caverna, Sábado de manhã


Equipagem da entrada da caverna, Sábado de manhã

Grandes condutos na jusante da caverna. Os desníveis e grandes blocos dificultam o caminhamento na caverna.


Conduto de rio mapeado na viagem

Conduto de rio mapeado na viagem
Enquanto isso a equipe 2 bebe água fresca na sombra de um paredão. Será que encontraram uma nova entrada? Tem vento! 


Super cortina (iluminando para trás) 


Super cortina (iluminando para frente)

Nosso estado, saindo da caverna.

Ao chegar na casa de pesquisa, após mais 2h de trilha.

Partes do croquis da viagem. Ponto final da topografia com abismo e continuação.

Mapa atual com condutos e correções realizadas na viagem.

Conduto inferior de rio topografado na viagem

Conduto superior que não estava indicado (possível acessar através de escalada artificial) e croquis da continuação da caverna.


Volta para SP: Fabio dirigindo e eu no co-piloto
Agora sim, todos os presentes, sem muita pose...

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Abismo Los Três Amigos revela novas peças de um grande quebra-cabeça


27 de Agosto de 2018. 


Escrevo este relato ainda me recuperando da última incursão ao Abismo Los 3 Amigos.

O objetivo desta viagem era trabalhar no extremo Oeste da caverna, região mais próxima às cavernas João Dias e Ribeirãozinho II. Existiam pendências nas duas direções do conduto de rio encontrado na viagem anterior (montante e jusante). Uma delas voltava em direção a um grande salão fóssil, a sala do chuveirão. A outra consistia em uma escalada no sentido principal do desenvolvimento da caverna, em direção à Ribeirãozinho II. Entre estes dois extremos, alguns condutos superiores de fácil acesso haviam sido deixados para trás na viagem anterior e queríamos desta vez explorar.

Havíamos ainda como incumbência trocar as cordas entre as cotas -40 e -80m da entrada, pois estavam duras e enlameadas. Outra corda a ser trocada era a de descida entre o grande salão do voo livre e o conduto de rio, instalada em 2006 na ocasião da primeira descida.

Por conta destas trocas e de mais equipamentos de topografia, estávamos um pouco mais carregados do que de costume.
Prevíamos que a atividade seria longa. Por isto combinamos com o Zé de nos buscar de trator na trilha as 7h da manhã do domingo.

Sexta-feira dormimos em sua casa, depois de uma noite de muita chuva e fortes trovoadas. A logística de saída no Sábado de manhã foi rápida. Como a estrada de Buenos estava em boas condições, boa parte dela foi feita de trator e as 10h45 já estávamos descendo os primeiros lances de corda.

As trocas de corda na descida ocorreram sem problemas. A maior dificuldade foi abrir os mosquetões que com o tempo dentro da gruta apresentavam rosca muito dura. A boa desenvoltura de todos no vertical ajudou e logo estávamos fazendo um primeiro lanche na base do salão do voo livre. A corda do rio foi trocada sem problemas e um fracionamento instalado onde antes havia apenas um desvio.

As 14h da tarde nos encontrávamos todos reunidos no extremo Oeste da caverna, já separando as equipes de topografia. Uma parte, composta por Thomas (Vagalume), Ives e Adelino, seguiram à jusante do rio por um conduto amplo em direção à sala do chuveirão. A outra, composta por mim (Daniel), Rejeito, Bia e Diego seguimos em direção à montante onde, na viagem anterior, havíamos interrompido a topografia.

Após uma pequena escalada, acessamos um conduto fóssil contornando por cima o desmoronamento de onde o rio ressurgia. Nossa felicidade não durou muito tempo e logo acessamos uma área muito instável, com blocos e lama.
Após uma descida de corda entre blocos nos vimos de novo no desmoronamento. Com passagens estreitas entre blocos tanto na água quanto por cima, forçamos por cerca de duas horas alguma passagem. Uma leve corrente de ar, insetos e sedimentos (galhos) indicava que poderíamos estar perto de alguma saída, mas tivemos que desistir após muitas tentativas frustradas.
No retorno fizemos a topografia por um caminho superior conectando esta nova parte com o conduto fóssil do chuveiro. Resolvemos descansar em uma sala bastante confortável, próximo da descida para o rio e logo que paramos escutamos as vozes da outra voltando de sua topografia.
Após o almoço, a primeira equipe decidiu iniciar o longo caminho de volta enquanto nós faríamos algumas fotos do grande salão ali ao lado e verificaríamos alguma outra pendência no caminho de volta. E foi na sala do chuveiro que decidimos concluir uma escalada realizada em 2006 por mim e pelo Brandi no final da topografia daquela ocasião. Se tratava de uma íngreme subida próximo à parede direita da sala, se desenvolvendo bem em direção à caverna João Dias. Lembro na ocasião de termos subido e verificado uma continuidade, mas como estávamos cansados acabamos deixando a exploração para outra ocasião.

Desta vez tínhamos mais tempo e energia para continuar e eu havia separado esta pendência caso o conduto de rio não evoluísse. Enquanto a Bia descansava no meio da sala, eu, Rejeito e Diego rumamos por uma inclinada subida seguindo o rastro de 2006. Apesar da inclinação e impressionante desnível até a parte mais baixa da sala, o piso não estava escorregadio e conseguimos rapidamente vencer as partes mais difíceis. Chegamos a condutos horizontais e extremamente ornamentados. Uma ampla sala com mites grandes e várias possibilidades de continuação. Deixamos algumas partes difíceis ou perigosas e seguimos pelos caminhos mais evidentes. Acessamos uma região muito frágil e belíssima. Canudos de 3 a 4m e helictites ornamentavam uma ampla área. Foi o auge do dia em termos de descobertas e explorações. Mapeamos por cerca de duas horas acessando no final mais uma grande sala de onde pudemos nos comunicar com a Bia mais de 50m abaixo, por um terraço. Foi um alívio uma vez que não havíamos levado mochila e nossas baterias principais estavam acabando.Uma vez terminada a topografia tomamos o caminho de volta ao salão do voo livre.

No retorno, verifiquei ainda pelo menos um ponto de acesso à grandes galerias fósseis pelo caminho. Escaladas que exigirão o auxílio de equipagem móvel ou artificial e uma logística exclusiva para esta exploração...

A volta foi lenta e cansativa e por volta das 2h da manhã nos juntamos à primeira equipe na "sala de jantar". Estava muito frio e mesmo com mantas térmicas, isolantes e velas para a criação de "pontos quentes", tivemos dificuldade de dormir ou descansar como prevíamos.

As 5h da manhã desistimos de dormir e iniciamos a difícil tarefa de nos recompor para a saída da caverna. Os últimos 40m verticais foram em meio a uma espécie de lamentação coletiva de cansaço e frio. Mesmo fora da caverna estava difícil de esperar. Enquanto o dia começava a clarear um vento soprava forte de dentro da caverna e uma névoa da manhã permeava as árvores na trilha.

Encontramos o Zè na última subida da trilha, um pouco antes de cruzar o Rio Pilões.
Depois de um banho quente, lá pelas 9h da manhã, desmaiei dentro do saco de dormir para alguns momentos de descanso antes de pegar a estrada de volta a SP.

Foram 20 horas de atividade dentro da caverna e cerca de 400m mapeados de novas galerias. Em breve deveremos ter o mapa contemplando estas partes e datas programadas para continuar a desvendar este gigante quebra-cabeça.

Separação de alguns equipamentos antes da incursão: 100m de cordas (20 para entrada e 80 para trocas), fitas, mosquetões, batedor, kits de topografia, cozinha, etc
Equipe limpinha Sábado de manhã - Agosto 2018
Faltou o Ives que nos encontrou na trilha


Reencontro das duas equipes após primeiro turno de topografias

Reencontro das duas equipes após primeiro turno de topografias

Salão do encontro, último grande salão no extremo Oeste da caverna.

Chegada da equipe no trator, Domingo de manhã. Sujos, com frio, exaustos e felizes.
(Adelino levantou só pra foto)
À direita da imagem as linhas de trena da topografia desta viagem. Detalhe para o salão superior e condutos próximo à superfície. A topografia indica cerca de 30m apenas.


quinta-feira, 26 de julho de 2018

O que o espeleoresgate brasileiro tem a dizer sobre resgate na Tailândia


Texto original: Luiz Lo Sardo
Colaboração: Diego Ferreira e Rodrigo Severo
Revisão: Daniel Menin


A Espeleologia no Brasil, bem como o Espeleorresgate, são atividades praticamente desconhecidas da maioria da população. 

O acidente na caverna da Tailândia despertou enorme comoção das pessoas e da mídia. Durante os últimos quinze dias este assunto foi muito comentado e discutido nos diversos meios de comunicação. 


Nenhuma operação de resgate é simples, mas em caverna geralmente as condições são muito agravadas pelo ambiente inóspito que elas oferecem. É um ambiente muito particular e cheio de obstáculos, por exemplo, ramificações a partir do conduto principal, tetos baixos, abismos, condutos estreitos, sifões, etc. Por isto mesmo os resgates dentro de cavernas são complexos, costumam ser longos e demandam um grande efetivo.  Além disso, é necessário ajudar a(s) vítima(s) sem piorar seu estado clínico ou psíquico e ainda evitar que novos acidentes aconteçam em cadeia no decorrer do resgate inicial. Por isso, as pessoas acostumadas a esse ambiente - os espeleólogos - são as mais indicadas para executar um resgate debaixo da terra.



O Brasil possui um grupo voluntário de espeleorresgate. Formado por espeleólogos experientes e treinados na sua especificidade, estão aptos a efetuar uma operação de resgate em qualquer condição ou lugar dentro de uma caverna. Esse Grupo está ligado a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), através da Comissão de Espeleo Resgate (CER), treinado pelo Spéléo Secours Français (SSF) é uma das entidades mais respeitadas no mundo.



Abaixo segue uma análise da Comissão de Espeleo Resgate do Brasil (CER) não somente sobre o ocorrido na Tailândia, mas dando um panorama geral do assunto no âmbito nacional.


As estruturas nacionais


Alguns países possuem grupos voluntários de espeleorresgate, formados por espeleólogos experientes e treinados na sua especificidade para efetuar uma operação de resgate em qualquer condição ou lugar da gruta. O Spéléo Secours Français (SSF) é uma das entidades mais respeitadas no mundo, sua expertise é compartilhada com diversos países, inclusive o Brasil.

Nos últimos dez anos integrantes do SSF veem qualificando brasileiros, através de cursos básicos e avançados tanto no Brasil como na França. Uma parte desse grupo de espeleólogos capacitados estão reunidos e organizados através da Comissão de Espeleorresgate (CER) da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE). Até o momento aproximadamente 250 brasileiros já participaram do treinamento para atuarem em resgates espeleológicos das mais variadas formas e de acordo com os padrões e organização professados pelo SSF. 

Suas especialidades são: gestão, assistência e socorro à vítima, comunicação, exploração, sistemas verticais, bombeamento, desobstrução, ventilação, evacuação, mergulho, entre outras.

É importante ressaltar que no Brasil o Corpo de Bombeiros Militar (CBM) é a instituição legalmente responsável por todo tipo de resgate, entretanto o CBM possui muitas outras atribuições ligadas à ocorrências mais comuns no dia a dia como acidentes de trânsito, combate à incêndio, busca e salvamento em matas, afogamento, etc. Sendo assim a CER defende uma cooperação entre CBM e CER, exatamente como ocorre em outros países, incluindo a França.


O mergulho em caverna no Brasil


Durante os últimos 12 anos, o desenvolvimento do mergulho em cavernas no Brasil foi significativamente reprimido, através da Instrução Normativa nº 100/2006 do IBAMA (IN 100/2006). A idéia de regulamentar o mergulho em cavernas no país acabou por, praticamente, proibir a atividade. A Instrução Normativa nº 2/2018 do IBAMA revogou a IN 100/2006 do mesmo órgão. Com ela o mergulho em cavernas no Brasil foi novamente autorizado, exigindo-se que sejam respeitadas as regras, seja da Unidade de Conservação, seja do Plano de Manejo, a depender da localização da cavidade ser em áreas de proteção públicas ou privadas respectivamente.

A CER/SBE e o Brasil já contam com um primeiro mergulhador de resgate em cavernas treinado pelo SSF (Spéléo Secours Français) desde outubro de 2016. Esse treinamento acontece dentro do programa de formação de espeleorresgatistas iniciado a cerca de 10 anos.

O Brasil também conta com dois coordenadores regionais da IUCRR (International Underwater Cave Rescue and Recovery), uma instituição voltada para o resgate e recuperação em cavernas completamente alagadas, diferentemente do SSF, que abrange também o interesse por cavernas mistas (secas e com trechos alagados denominados sifões), como no caso da Tailândia. Acidentes em cavernas completamente alagadas raramente oferecem a chance do resgate das vítimas com vida, entretanto alguns casos já foram registrados.


A Espeleologia e o Espeleorresgate no Brasil


No Brasil, a Espeleologia e o Espeleorresgate são atividades pouco conhecidas. O acidente na caverna da Tailândia despertou enorme interesse e comoção das pessoas e da mídia. E, durante os últimos quinze dias, esse assunto foi muito comentado e discutido nos diversos meios de comunicação e nas mídias sociais. Se, por uma lado essa repercussão foi positiva por evidenciar a atividade, por outro lado foi negativa, pois concepções errôneas sobre o resgate e a própria atividade foram veiculadas por pessoas com pouco conhecimento sobre estas atividades.


Mobilizados mas não acionados


O acidente com o espeleólogo espanhol Cecílio Lopez Terceiro à -400 m de profundidade e a 2 km da entrada da Caverna Intimachay, localizada na Amazônia Peruana, que explorava, junto com outros três espeleólogos em 2014, resultou em uma operação de resgate que demorou 12 dias, mobilizou um efetivo de cerca de 100 pessoas, dos quais mais da metade eram espanhóis.

Uma equipe composta por espeleorresgatistas brasileiros, hoje integrantes da CER/SBE, permaneceu em alerta e pronta para partir por 7 dias para auxiliar nesse resgate. Esta equipe contava com 12 integrantes que aguardavam somente a luz verde do governo peruano para atuar e acabou não sendo acionada.

Da mesma maneira, agora em 2018, uma equipe de 20 espeleorresgatistas do SSF com 6 toneladas de equipamentos se mobilizou para auxiliar no resgate na Tailândia. Também neste caso acabou não sendo acionada.


Cronologia do resgate na Tailândia



Sábado 23/06/2018

Um time de futebol com doze meninos de 11 a 16 anos e seu treinador de 25 anos entram na Caverna Tham Luang Nang Non após o treino de futebol para comemorar o aniversário do garoto Pheeraphat. Não voltam para casa e são dados como desaparecidos.

Domingo 24/06/2018

As autoridades começam as buscas e acham bicicletas e chuteiras perto da entrada da caverna. A suspeita é que ficaram presos por fortes chuvas e provável inundação da gruta. Polícia e funcionários do parque iniciam as buscas no interior da caverna. As chuvas continuam castigando a região. Pegadas e marcas de mãos são encontradas e desconfia-se que eles foram forçados a entrar mais e mais para fugir da enchente.

Segunda-Feira 25/06/2018

Mergulhadores da marinha tailandesa continuam as buscas. Devido às fortes chuvas que seguem acredita-se que o grupo estava num local chamado Praia de Pattaya. Santuários são montados para os pais orarem.

Terça-Feira 26/06/2018

Mergulhadores da marinha tailandesa são forçados a voltar ao chegar a um sifão apertado formado perto da Praia de Pattaya. O líder da Junta da Tailândia pede à Tailândia que apoie o resgate. O SSF, com apoio do governo francês, inicia a conversa e entrega uma proposta de ajuda no resgate para o governo da tailandês.

Quarta-Feira 27/06/2018

Trinta militares americanos que atuam no Pacífico chegam à noite ao local. Eles se juntam a três espeleomergulhadores britânicos mas não conseguem progredir na caverna devido ao aumento do nível da água ocasionado pelas fortes chuvas.

Quinta-Feira 28/06/2018

As chuvas não cessam e as buscas são interrompidas. São instaladas bombas de drenagem de água. Espeleólogos britânicos percorrem a montanha em busca de entradas alternativas.

Sexta-Feira 29/06/2018

É encontrada uma fenda que precisa ser explorada para verificar se existe conexão  com a galeria principal. A Embaixada da França em Bangkok contacta o SSF para obter detalhes dessa proposta de ajuda.  O SSF oferece gratuitamente para a Tailândia o apoio de uma equipe composta de 20 espeleorresgatistas com especialistas em diversas áreas como: logística e gestão, mergulhadores, médicos mergulhadores, especialistas em comunicação com ou sem fio (Speleofone e TPS), bombeamento, desobstrução, etc. Para essa operação seriam enviados aproximadamente 6 toneladas de equipamentos. A partir da luz verde estariam prontos para partir em 24horas. 

Sábado 30/06/2018

As chuvas diminuem e os espeleomergulhadores britânicos conseguem reiniciar as buscas. Soldados Tailandeses fazem exercícios de evacuação.

Domingo 01/07/2018

Uma pausa nas chuvas permite maior avanço dos mergulhadores. Inúmeros cilindros de ar comprimido são levados para a caverna, propiciando o avanço das equipes de busca. As negociações avançam e o SSF aguarda para implementar toda a sua capacidade e expertise em resgates subterrâneos.

Segunda-Feira 02/07/2018

Os espeleomergulhadores britânicos Richard Stanton e John Volanthen  encontram o grupo cerca de 400 m após a Praia de Pattaya onde se imaginava inicialmente que estariam. Todos vivos e sem ferimentos significativos. A prioridade agora é levar alimentos e primeiros socorros. O SSF continua em alerta esperando a solicitação oficial do Governo Tailandês.

Terça-Feira 03/07/2018

Alguns soldados e um médico acompanham os meninos. Cobertores de emergência e alguns sorrisos são vistos em fotos.

Quarta-Feira 04/07/2018

A família de Pheeraphat guarda na geladeira o bolo para o aniversário de 17 anos de seu filho. São avaliadas alternativas para o resgate.

Quinta-Feira 05/07/2018

O mergulhador ex-integrante da marinha tailandesa Saman Kunan morre após deixar suprimentos aos garotos. Com esta fatalidade fica ainda mais evidente que a alternativa de sair com os meninos mergulhando é bastante arriscada.

Sexta-Feira 06/07/2018

É introduzido um duto de ar para garantir o suprimento de ar aos meninos, treinador e resgatistas pois os percentuais de oxigênio e dióxido de carbono na caverna estão respectivamente descendo e subindo atingindo níveis preocupantes. Vários mergulhadores estrangeiros chegam à Tailândia como voluntários.

Sábado 07/07/2018

Cartas são enviadas aos familiares. Técnico pede desculpas às famílias. Previsão de bom tempo por três ou quatro dias e a instalação de várias bombas de sucção podem permitir evacuação por mergulho mais curtos.

Domingo 08/07/2018

A operação de resgate começa na madrugada. Meninos saíram mergulhando, com máscaras Full Face e acompanhados pelos mergulhadores especialistas. Pela manhã os quatro primeiros meninos estavam fora da caverna.

Segunda-Feira 09/07/2018

Após pausa para o descanso, os mesmos mergulhadores voltam e retiram mais quatro meninos. Helicópteros e ambulâncias aguardam na saída.

Terça Feira 10/07/2018

Os últimos quatro meninos são resgatados. Às 8:50h sai o  técnico, a última vítima. Soldados e o médico anestesista australiano são os últimos a deixar as áreas de mergulho. Durante a desmobilização as bombas de sucção param de funcionar e o nível da água sobe. Os resgatistas precisam evacuar a caverna às pressas.
Conclusão

Finalizamos este texto com sentimento de alívio, pois, embora infelizmente tenha havido a morte de um dos resgatistas, todas as vítimas foram resgatadas com sucesso.

A nós cabe parabenizar pelo sucesso da operação que envolveu militares e muitos civis que puderam auxiliar de maneira importante por serem especialistas em uma ou mais técnicas necessárias ao resgate. Este é mais um exemplo de que a cooperação entre órgãos públicos, e instituições especializadas que congregam pessoas que estão frequentemente se atualizando e treinando, como é o caso da CER, é uma excelente saída para resgates altamente técnicos como o que ocorreu na Tailândia.


Comissão de Espeleorresgate
Luiz Lo Sardo Neto
CER 100SP12


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