Por Leda Zogbi
Fotos Daniel Menin e Leda Zogbi
Para chegar na caverna, só mesmo com trilha no GPS, porque a estradinha tem diversas bifurcações, e seria difícil se localizar. O carro fica a uns 30 m do buraco, então nos equipamos no carro mesmo e rumamos para a entrada do abismo, que fica numa dolina, mato por todo lado. Não é um lagedo aberto como boa parte das cavernas que fomos anteriormente no RN.
O Daniel resolveu usar uma árvore que tinha perto da entrada do abismo para ancorar, e mais um pedaço da rocha bem na boca. Desceu primeiro. Aos poucos fomos descendo todos menos o Iatagan e o Darcy que iam ficar prospectando outras cavernas na região e cuidando da corda também (eles estavam com medo de alguém levar a corda, ia ser mesmo dureza...). O abismo tem 18 m de altura e é bem ornamentado: você desce no meio dos escorrimentos, bem bonito.
Esse abismo de entrada chega bem no meio do conduto principal da caverna, que segue para os dois lados. Resolvemos fazer duas equipes, cada uma avançando para um lado diferente da caverna. Deixamos água e comida na entrada, pois havíamos a impressão de que o nosso lado da caverna seria curto, o plano era mapear esta parte e voltar para ajudar a outra equipe no conduto "principal" da caverna.
Fomos evoluindo em um conduto único, com uns 4/5m de largura, e chão de areia. Um bom trecho era teto baixo, tipo com 1/1,20m de altura. O conduto ia meandrando em curvas suaves, e havia diversas cúpulas com escorrimentos no teto, um alívio, porque dava para ficar em pé por alguns instantes antes de continuar a topo. Atingimos depois de uns 150m um salão, onde encontramos uma enorme caranguejeira e alguns escorrimentos bem bonitos (sala da caranguejeira).
Mapeamos uns 350m, e chegamos num escorrimento alto que praticamente entupia a continuidade do conduto, restando apenas uma fresta de uns 30cm de altura por cima do escorrimento (na parte mais alta) , uns 2,20m acima do nível do chão. Escalamos pela parede oposta e colocamos a cara e a lanterna pelo buraco, e deu para ver que continuava bastante... Logo depois desse escorrimento à direita, achamos uma passagenzinha que dava acesso para uma sala meio ovalada, altíssima: medimos 27m de altura até o teto, também cheio de escorrimentos. Desligamos as lanternas para ver se tinha alguma luz externa, mas não deu para ver luz nenhuma entrando pelo teto. Nessa sala, havia muitos bichos: um amblipígeo gigantesco, uma rãzinha... Chamamos a sala de "cúpula dos Bichos" .
Como a hora já estava adiantada e não tinhamos bebido e nem comido nada, amarramos uma base fixa na entrada do escorrimento e voltamos até o abismo de entrada. Foi gozado, porque a outra equipe estava chegando exatamente na mesma hora. E o mais incrível: achamos amarrado em uma corda uma geladeirinha de isopor com duas cocas litro!!!! Parecia miragem, mas eram os colegas Iatagan e Darcy que tinham feito essa boa ação para nós... A equipe do Daniel contou que tinha mapeado um salão muito ornamentado, e depois havia uma bifurcação. Pegaram à direita e foram até um ponto muito apertado, onde após algumas dezenas de metros rastejando, o conduto parecia ter pouco oxigênio. Deixaram parte do mapa em aberto e voltaram.
Da bifurcação ficou faltando verificar o lado esquerdo.
Já eram umas 3h30, e ficamos na dúvida entre voltar para continuar a topo ou sair. A maioria acabou resolvendo sair e deixar a continuação para o dia seguinte. O apelo da cerveja estava "alto", vocês não imaginam o calor dentro da caverna... Voltamos para a pousada, e depois do banho ainda tive forças de lançar os dados no Compass para ver como estava ficando a caverna... Já tinhamos somado 638m de trena!
Dia seguinte, café da manhã na pousada e lá fomos nós para o buraco. Já estava todo mundo mais "safo" depois da experiência do dia anterior. Montamos de novo duas equipes: a primeira iriam checar o buraco que deixamos em cima do escorrimento, e a segunda (a minha) iria continuar o mapa do ramo esquerdo da bifurcação.
Chegamos logo no salão que eles haviam mapeado no dia anterior, e fui dar uma olhada. Tem realmente algumas flores de gipsita. Segundo os amigos do RN, isso é raríssimo por aqui. No dia anterior a equipe do Daniel havia encontrado também um dente, possivelmente de onça. Para chegar na dita cuja da bifurcação, é preciso passar por um sifãozinho, um teto baixo que enche de água.
Quando os meninos tinham passado na véspera, parece que o nível da água estava bem mais alto, mas meu santo é forte e o nível baixou bem. Passamos o sifão e entramos na bifurcação à esquerda, e daí começou a felicidade plena: um conduto, de areia e seixos, meandrando continuamente. Chegamos então numa sala redonda bem ornamentada, com um nível superior e logo depois mais condutos altos. Em umas 3h mapeamos 400m... Nossa água acabou (tínhamos levado uma garrafa de 1,5 l, mas foi pouco, pelo calor que faz lá dentro). Depois que toda equipe resolveu parar mesmo, ainda andei (na verdade corri) mais uns 100m, e a coisa continuava no mesmo padrão... Na volta, a passagem pelo sifãozinho cheio de água foi uma maravilha... O calor era tanto, que acho que até saiu fumaça quando entramos na água. Voltamos lá pelas 14h, e encontramos a Renata já na corda: eles também tinham acabado de chegar... Tinham mapeado mais 200m depois do escorrimento que havíamos deixado no dia anterior. Quase tudo no teto-baixo, mas condutos largos e bem formados.
No total, a topo chegou em 1225m de linha de trena.
A época das chuvas está começando, e a caverna deve ficar logo com boa parte inundada. Antes disto, uma nova expedição está sendo organizada onde uma equipe de topografia continuará o trabalho neste conduto que, até agora, não apresenta nenhum sinal de estar próximo ao fim…
Na saída, paramos de novo no boteco (lógico), que ninguém é de ferro. Depois de um último brinde, fomos tomar um banho rápido na pousada e tomamos o rumo de Mossoró…
Valeu mesmo pessoal!
Não sei se poderei estar presente já nesta próxima empreitada mas espero poder ir de novo mapear com a galera do RN!!.
"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"
Leonardo Da Vinci
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