Fotos: Augusto Auler e Daniel Menin
Após vários dias mapeando pequenas cavernas de Quartzito na Chapada Diamantina buscávamos agora encontrar alguma caverna maior, preferenciamente em calcário. Seguindo o mapa geomorfologico da Bahia e unindo informações de referências antigas rumamos então à novos horizontes, em busca de lentes carsticas ainda pouco mexidas naquela parte do sertão nordestino.
Era final de tarde e estávamos próximos a nosso destino (a cidade de Iramaia) quando começamos a ver alguns afloramentos não muito longe da estrada. Paramos o carro ao lado de uma enorme dolina, incrivelmente próxima da estrada. Apesar de grande, a depressão teria passado facilmente desapercebida não fosse uma recente queimada deixando um enorme buraco aberto ao ar livre e à vista dos que passavam por ali. Estacionamos em uma casinha próximo à dolina, pegamos nossos equipamentos e como de costume fomos investigar mais de perto do que se tratava. Logo na beirada da descida já foi possível ver, la no fundo, o vazio negro da entrada de uma gruta. Ao descer na dolina e adentrar na caverna, a princípio tratava-se apenas de um salão inclinado, bastante arredondado, ornamentado e de médias proporções. Apesar de meus protestos (eu não queria perder tempo com grutas pequenas e dolinas) a equipe resolveu iniciar uma topografia do salão, que a princípio deveria durar no máximo 5 minutos (por isso no mapa vemos: "salão dos 5 minutos!").
Ao esticar a trena até a parte mais funda da sala pudemos verificar, em meio a blocos empilhados e sedimentos, uma estreita passagem. Depois de um rapido trabalho de desobstrução uma surpresa: a gruta continuava. Lá se ia, aos ventos e efetivamente, a razão dos meus protestos. Mais algumas descidas íngremes e passagens apertadas e o esforço começou a ser recompensado. Parecia estarmos acessando uma ampla rede de condutos. Horizontais, largos e de teto a cerca de 1,80m, os caminhos se desenvolviam em diferentes direções. A princípio uma rede bastante labiríntica.
Em alguns lugares, ao caminhar, afundávamos até a canela em uma fina poeira despositada o solo. Possivelmente tratava-se de guano fossil (fezes de morcego fossilizadas).
Por todo o caminho não vimos pegadas. Indício de que ninguém havia passado por alí até então. Em alguns locais, na medida em que caminhávamos a fina poeira ficava suspensa atrapalhando nossa respiração e um pouco a visibilidade.
Escolhemos um caminho principal e fomos adentrando na caverna até nos depararmos com a parte superior de um grande salão. Perplexos, ficamos alguns minutos parados naquele terraço, admirando a e beleza da caverna e a amplitude do salão. Ainda assimilávamos a grandeza da descoberta. Naquele momento percebi que teríamos trabalho para vários dias de exploração e topografia. Uma sensação de excitação difícil de descrever. Quais mistérios ainda nos aguardavam?
O Sr Calixo, morador local, que com uma headlamp emprestada por mim nos acompanhava nesta primeira incursão tinha um semblante igualmente admirado. Há decadas habitava somente à alguns metros daquele buraco, sem imaginar o mundo que se abriria ao transpor uma pequena passagem no fundo da dolina.
Os 4 dias seguintes passamos mapeando a caverna e explorando seus condutos, salas e caminhos bastante ornamentados e delicados. O Sr Calixto foi se acostumando em nos ver entrar na gruta de manhã cedo saindo somente de noite.
A Gruta do Calixto, como foi cadastrada a caverna, está sendo palco de importantes estudos científicos geologicos. Suas concreções e morfologia, pouco comuns, indicam um processo de formação hipogênico, sugerindo resumidamente que a gruta tenha sido formada de baixo para cima, através de ácido sulfúrico.
A topografia e o mapeamento foram também bastante trabalhosos. Para mim, o maior desafio foi conseguir unir todos os croquis no mapa e encaixando-os a uma verdadeira “teia de aranha” formada pelas linhas de trena. Apesar das dificuldades, o mapa ficou pronto e foi publicado no final de 2009, após muitas horas de analise e reencontros de dados.
Esperamos que a caverna continue intacta. Protegida por sua distância do meio urbano e do acesso de turistas como sempre esteve. Ao mesmo tempo, agradeçemos por termos sido privilegiados por mais esta descoberta, de certa forma, obra do acaso. Nossas pegadas não geraram somente o impacto negativo da presença humana na gruta, mas também algo de positivo: um mapa e um cadastro. Agora a caverna é oficialmente reconhecida pela comunidade científica. Por estar hoje cadastrada e devidamente mapeada é uma caverna que existe formalmente e portanto pode ser protegida por lei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário