Texto: Daniel Menin
Fotos: Daniel Menin, Leda Zogbi
Mapa: Leda Zogbi
Neste final de semana passado, estivemos mais uma vez no RN para, junto com a equipe do Cecav-RN, para continuar os trabalhos de exploração e topografia da caverna do Trapiá. A ultima viagem havia sido inesquecível: topografamos mais de 900 m de galerias e acabamos interrompendo os trabalhos apenas pela falta de tempo e cansaço. Tudo isto em amplos condutos sem nenhum sinal de afunilamento ou término da caverna.
Nossas expectativas eram grandes para esta próxima viagem, mas tinhamos um certo receio se a caverna realmente se estenderia por muito mais do que já havíamos conhecido, pois ao plotar a topografia numa imagem de satélite, observamos que o termino da topografia da caverna estava há cerca de 500 m de distância em linha reta do Rio Apodi, somente. Outro indício de que não encontraríamos uma outra saída da caverna era a falta de circulação do ar interno. Por estes motivos, eu já estava me preparando para não encontrar grandes continuações.
Como nas outras viagens, decidimos ir de Fortaleza para Mossoró na Sexta-feira à noite, de jipe. O combinado era pegar a Leda e o Walter no aeroporto às 18h30 e de lá seguir direto para Mossoró. Iniciamos a viagem lá pelas 19h30, e logo após percorrer alguns km de estrada fomos surpreendidos com um desconfortável barulho embaixo do carro. Começamos uma busca a algum mecânico de plantão. Pára em um posto de gasolina, pergunta em outro, entra na cidade mais próxima, faz retorno, vai pra outra cidade, pára em outro posto, discute com palpiteiros, mais um posto de gasolina e acabamos resolvendo retornar à Fortaleza. Durante esse percurso de volta à capital, achamos melhor desconsiderar a viagem de Jipe e alugar um carro para resolver de vez a encrenca. Após todo um “tour” pelo anel viário de Fortaleza, voltamos ao aeroporto e alugamos um econômico Palio 1000, o que acabou sendo muito melhor devido à economia e conforto da viagem. Era esta alternativa ou correr um sério risco de ficarmos na estrada, em um caminho deserto, com estradas em péssimo estado de conservação e relativamente perigosas (trecho Fortaleza-Mossoró).
Chagamos tarde em Mossoró, mas inteiros o suficiente para continuar até Felipe Guerra. Chegamos na pousada lá pelas 2hs da manhã. Outro custo foi conseguir acordar a D. Zila, dona da pousada, que tem um sono pesadíssimo, para descobrirmos onde era os nossos quartos...
Não dormimos muito. Logo de manhã (5hs) uma galera insistia em gritar pela pousada acordando todos os hóspedes que ainda tentavam dormir. Levantamos às 8hs e como das outras vezes, chegamos na caverna lá pelas 10hs da manhã. Rapidamente ancoramos a corda, e nem tão rapidamente seguimos para o ponto final da última topografia. O calor era extremo, a dificuldade de se locomover e a sensação de pouco oxigênio, apesar de serem barreiras já conhecidas, eram sempre bastante incômodas. Segui na frente, junto com o Diego e o Wilson, e pudemos fazer algumas fotografias enquanto aguardávamos o resto da equipe. Logo após a passagem do “Paraíso do Chico”, começa uma série de longos condutos. Avenidas com belas formações, sóis, discos voadores, conduto estelar, observatório...
Também paramos para fotografar o conduto “mudamorfo”, onde a caverna muda seu aspecto físico, ficando com teto muito mais alto e blocos desmoronados no conduto. Apesar de estarmos no inicio da atividade o calor já incomodava e a paciência para as fotos era pequena.
Cerca de 2hs após entrarmos na gruta, estávamos no ponto final da topografia da viagem anterior. Dali em diante, cada metro seria novo no mapa. Todos chegamos bastante cansados e ofegantes, mas após alguns minutos de descanso, fomos nos recuperando.
Resolvemos parar para comer e descansar antes de iniciar qualquer atividade de topografia. Diante do calor extremo e das dificuldades de respiração mesmo após vários minutos de repouso, parte da equipe achou melhor não continuar adiante, mas tomar o caminho de volta. Claramente não se tratava de falta de condicionamento físico, mas sim de uma combinação entre adaptabilidade ao ambiente subterrâneo, alta temperatura e baixa circulação de ar. Cansaço físico misturado a fatores psicológicos, que podem gerar respostas fisiológica inesperadas... Antes de entrarmos, o Walter propôs uma analise interessante para uma próxima investida: medir as respostas fisiológicas dos integrantes da equipe (batimentos cardíacos, temperatura, pressão) para mapear, mesmo que de forma superficial, as respostas do corpo humano diante desta condição extrema de calor. Nesta oportunidade as medidas não se fizeram necessárias para confirmar, na prática, que a situação na caverna é realmente extrema...
Existe potencial de outras cavernas grandes na região, porém, com restrições, devido às características das lentes de calcário, aparentemente rasas e horizontais e em formas de lajedos. O CECAV-RN, apesar de suas limitações de estrutura, vem realizando um ótimo trabalho de prospecção e identificação das cavernas na região, catalogando, mapeando e estabelecendo as áreas de proteção no entorno das grutas.
A parte mais difícil da topografia, nos metros que se seguiam, era a transposição de grandes blocos abatidos e cobertos de lama, que tinhamos que escalar ou passar em fendas estreitas entre blocos. Nada muito técnico, mas qualquer acidente por menor que fosse poderia representar um problema sério.
Uma vez ultrapassadas essas barreiras, a caverna voltou a apresentar a sua morfologia predominante. Grande conduto serpenteando, com caminho de rio seco, teto alto e solo de areia.
Mais algumas curvas e chegamos novamente a um ponto de subida na lama. Achamos uma escalada mais fácil pela lateral e acessamos um patamar a alguns metros do solo, porém tínhamos que descer do outro lado. Desta vez a descida era mais complicada: apenas uma estreita passagem entre um grande bloco e a parede da caverna, com afiadas pontas dificultando os apoios e rasgando o macacão de quem se atrevesse. E foi assim que deixei boa parte da minha camiseta rasgada na rocha. Antes que os outros passassem pelo mesmo aperto, resolvi dar uma corrida mais à frente para averiguar a continuidade da gruta. O conduto se estreitou um pouco, mas logo depois abriu novamente. A quantidade de blocos no solo indicava um desmoronamento à frente. Mais alguns metros e me deparei com a obstrução completa do conduto por muitos blocos e lama. Entrei em uma passagem mais evidente, rastejando entre os blocos. Aperta mais um pouco e me encontrei em meio a um quebra-corpo bastante estreito e instável. Resolvi retornar. Seria sim possível forçar alguma passagem, porém nas condições de cansaço, sem nenhuma circulação de ar e baixas expectativas de continuidade resolvi não correr mais riscos. Outra evidência do final da caverna era a quantidade de materiais levados pela água e depositados naquele ponto como “efeito peneira”. Era o suposto final da caverna e certamente o fim do nosso mapeamento.
Voltei até a Leda e o Diego, que decidiu não descer pela passagem. A Leda desceu, e mapeamos juntos este ultimo trecho da caverna.
A volta também foi cansativa. A cada parada bebíamos muita água e derramávamos no rosto o excesso não consumido (um indescritível alívio!). Como das outras vezes, tínhamos deixado algumas garrafas cheias d’água ao longo do caminho, o que nos ajudou bastante na volta.
A Caverna do Trapiá, com este mapeamento atinge seus 2.325m ultrapassando em desenvolvimento outras importantes cavernas do Nordeste (Furna Feia, Ubajara).
Apesar dos amplos condutos e belas formações, desaconselhamos fortemente a visitação turística na gruta devido por diversos fatores, como o acesso perigoso (abismo de 18 m com abelhas), a elevada temperatura interna (cerca de 34 graus, muita umidade e sem nenhuma circulação de ar) e algumas passagens de rastejamento (teto-baixo, sifão, passagens entre blocos).
Por outro lado, a Trapiá é sem dúvida um importante registro espeleológico, não somente para o Rio Grande do Norte, mas para toda a região Nordeste.
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