Durante os dias 10 e 14 de janeiro de 2012 participei de uma visita técnica ao município de Xambioá, Tocantins em conjunto com o Grupo Espeleológico de Marabá (GEM) e aos integrantes da Comissão da Cooperação Técnica entre a Votorantim Cimentos (VC), a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA). Os principais objetivos da atividade foram a realização de um diagnóstico da Caverna da Explosão e a divulgação da Cooperação Técnica na unidade da Votorantim Cimentos desta cidade.
Casa de Cultura de Marabá
A visita iniciou-se na Fundação Casa de Cultura de Marabá onde encontramos os integrantes do Núcleo Espeleológico de Marabá e do Grupo Espeleológico de Marabá, ligados a Fundação Casa de Cultura de Marabá, que é focada nos estudos e na preservação do meio ambiente e cultura locais. A Casa de Cultura abriga ainda o Museu Municipal de Marabá, o qual é uma das mais respeitadas instituições do norte e nordeste do Brasil no âmbito da pesquisa, resgate e preservação ambiental e histórica. Fomos apresentados ao grupo e conhecemos o museu que guarda em seu acervo importantes peças da cultura, arte e ciência local e do Brasil.
A Fundação Casa da Cultura de Marabá surgiu em 1982 com o Grupo Ecológico de Marabá – GEMA e sob direção de Noé Von Atzingen, a partir de estudos que visavam o conhecimento e a preservação do meio ambiente e cultura locais em decorrência das transformações que ocorreriam com a instalação de grandes projetos na região como hidrelétricas e mineração. O GEM iniciou suas atividades conjuntamente com a Fundação Casa da Cultura de Marabá há cerca de 22 anos, atuando principalmente nos estados da região norte.
Xambioá
Xambioá, Criada em 1959 e com cerca de 11 mil habitantes, localiza-se no norte de Tocantins às margens do Rio Araguaia, distante 130 km de Marabá e 515 km de Palmas, na região conhecida como “bico do papagaio”. A cidade é conhecida pela extração de cristais de quartzo e por ter sido palco da Guerrilha do Araguaia, um conflito entre o Exército Brasileiro e guerrilheiros do movimento rural armado ligados ao Partido Comunista do Brasil, ocorrido entre 1972 e 1974. Seu nome deriva de uma tribo indígena, Chambioás, ou de uma palavra indígena que significa pássaro veloz.
Localização de Xambioá
Marcos Silverio, adaptado de Google Earth(2012)
Região da Chapada
Na região da Chapada, distante 14 km do núcleo urbano de Xambioá, são conhecidas 17 cavidades, sendo a Caverna da Explosão a de maior dimensão com 1.203m de projeção horizontal e 14m de desnível, localizada numa propriedade recém adquirida pela Votorantim Cimentos da Empresa Cosipar. As pesquisas espeleológicas nesta região começaram em 1992 coordenadas pelo GEM conjuntamente com a Fundação Casa da Cultura de Marabá.
Localização da Caverna da ExplosãoMarcos Silverio, adaptado de Google Earth (2012)
Caverna da Explosão
Sua entrada foi parcialmente destruída antes da área ser propriedade da VC, com a queda de grandes blocos do maciço calcário que abriga a cavidade. Segundo relatório do GEM, o desabamento teria sido natural, embora a região fosse utilizada pela Cosipar para operações da lavra de calcário, atividade esta que foi embargada pelo CECAV em 2008 após denúncia de destruição de cavernas.
Caverna da ExplosãoMarcos Silverio, adaptado de Google Earth (2012)
Mapa da Caverna da Explosão, GEM (2011)
Mapa da Caverna da Explosão, GEM (2011)
Em companhia do Bruno Scherer, do GEM, que participou do seu mapeamento, visitamos a Caverna da Explosão e outras 5 cavernas nesta região. São conhecidas cinco entradas para a caverna. A entrada principal, à leste, está parcialmente obstruída pelos blocos desmoronados, bastante instáveis e fragilizados por diversas fraturas e por conta da rocha muito friável, de textura sacaróide. A única passagem entre os blocos é bastante estreita, necessitando rastejamento.
Devido às dificuldades técnicas de uma obra de contenção e estabilização da entrada e do blocos desmoronados, sugerimos que estes sejam apenas isolados, sem intervenções. Evitando-se transitar no local e principalmente entre os blocos pois há risco de colapso e/ou queda. Apesar dos danos próximos à entrada, seu interior está conservado.
Entrada desmoronada Foto Marcos Silverio
A segunda entrada, de acesso fácil, localiza-se na porção norte do paredão, na base do afloramento. Um conduto estreito e baixo, que fora interceptado pela frente de lavra. O terceiro é uma clarabóia localizada no alto do afloramento, com cerca de 10m de desnível vertical, necessitando equipamentos de segurança. Os demais são bastante estreitos e não foram visitados.
Entrada lateral em conduto interceptado pela lavra Foto Marcos Silverio
A caverna é condicionada estruturalmente, com condutos perpendiculares seguindo a direção das fraturas. Geralmente estreitos e com alargamento junto ao piso. Há muito sedimento no piso e evidências de paragênese, com meandros e formas de dissolução no teto e paredes.
Condutos Fotos Marcos Silverio
Uma característica comum às cavernas da região é que há poucos blocos abatidos em seu interior, provavelmente devido à sua gênese, formando-se primeiramente em condutos freáticos com alargamento das fraturas e posterior dissolução e erosão e então o carreamento dos sedimentos. Os blocos existentes concentram-se na região da entrada e nos condutos próximos à borda do maciço, tornando-se passagem de sedimentos e pequenos animais entre eles.
A porção norte, está em um nível mais elevado, seguindo o mergulho da rocha, e apresenta condutos mais amplos e altos do que a porção sul que fica alagada na época das chuvas. Há poucos espeleotemas, provavelmente devido aos processos de entupimento por sedimento, paragênese e posterior retirada do sedimento e reabertura dos condutos. São encontrados espeleotemas próximos a região da clarabóia e em algumas galerias mais amplas e altas.
Morcegos e formas de dissolução no teto e paredes Foto Marcos Silverio
A fauna é numerosa e variada, com uma grande colônia de morcegos, sendo observados hematófagos, frugívoros e insetívoros e fauna associada ao guano e aos sedimentos como diplópodes, baratas, amplipígeos, grilos, escorpiões entre outros. Também foi observado um sapo e uma sucuri no interior da caverna. Há muitos fungos e provavelmente esporos em suspensão, os quais necessitam estudos para verificar se são patogênicos.
Conduto com sedimento no piso, notar fratura no teto Foto Marcos Silverio
A vegetação do entorno é formada por cerrado e, atualmente, uma grande plantação de eucalipto. A vegetação desta última poderia ser recuperada após a retirada da madeira. Não há um rio perene mas observa-se marcas de alagamento do terreno e pequenos charcos próximos à caverna.
Morcegos Fotos Marcos Silverio
Por conta da entrada estreita, dos condutos estreitos e baixos e da fragilidade da fauna a caverna não é adequada ao turismo, porém se presta perfeitamente como campo escola para treinamento espeleológico, como mapeamento, técnicas de deslocamento e interpretação da gênese e morfologia e fauna.
Detalhe da textura da rocha Foto Marcos Silverio
As demais cavernas visitadas, Peixe, Capela Sistina e Cosipar apresentam morfologia semelhante à primeira. Com condutos estreitos e perpendiculares, seguindo a direção das fraturas.
Serra das Andorinhas, em destaque a estrada
Caverna da Chapada
Localiza-se na propriedade de João da Cruz, vizinha à Caverna da Explosão, com 335m mapeados. Caverna formada por um conduto principal amplo, com acesso na base do maciço e outra entrada superior na porção posterior do afloramento. Estas entradas permitem a entrada de luz no salão, mergulhando-o na penumbra. Observamos interessantes estruturas residuais em forma de pendentes e pilares e alguns espeleotemas.
O piso é recoberto de uma espessa camada de guano fétido de uma numerosa colônia de mocegos, principalmente de frugívoros. Pequenas esferas de cerca de 2cm de diâmetro cobrem parte do piso sobre o guano, e, aparentemente, são compostas do mesmo material, secas e desfazendo-se facilmente ao toque.
Deste salão partem galerias estreitas e por vezes baixas, desenvolvendo-se em até 3 níveis diferentes, segundo a direção das fraturas e em formato perpendicular labiríntico, conectando-se em diversos pontos. A porção norte da caverna apresenta condutos mais altos e que atingem a superfície em diversos pontos entre blocos abatidos.
Uma impressionante fauna associada vive na caverna, destacando-se grandes baratas escuras, baratas brancas e outras negras e articuladas, semelhantes a um trilobita. Amplipígeos, diplópodes e grilos, entre outros animais. Não observamos carrapatos. E há uma quantidade grande de fungos.
É uma caverna que poderia ser utilizada para visitação, especialmente em estudos do meio. Porém necessitaria de uma passarela suspensa com cerca de 30m de comprimento, para evitar o pisoteamento do guano e da fauna. Também é recomendável estudar os fungos existentes quanto a sua patogenia.
As áreas das cavernas são podem não apenas fazer parte da reserva legal, obrigatória, mas tornarem-se uma RPPN, como uma ação efetiva da VC para a preservação deste patrimônio. Esta RPPN poderá fazer parte de um circuito de visitação e a Caverna da Explosão pode receber uma sinalização informando a sua importância regional e os eventos ocorridos. Como política ambiental junto à comunidade, funcionários, órgãos governamentais, clientes e fornecedores e podendo influenciá-los positivamente.
Serra das Andorinhas
No último dia da expedição o Bruno Scherer nos levou para conhecer a Serra das Andorinhas. Voltando para São Geraldo do Araguaia, do outro lado do Rio Araguaia, pegamos uma estrada de terra em direção ao norte. Percorrendo a borda da serra entre as montanhas e o Rio Araguaia até atingir seu ponto mais baixo no qual acessamos seu interior. Uma cadeia de até 600m de altitude no quartzito, cortada por vales e repleta de formas residuais como torres e escarpas. Com vegetação típica do cerrado nas cristas e porções mais altas e mata mais densa nos vales.
Percorremos cerca de 3h até chegar ao povoado de Santa Cruz, uma pequena vila de pescadores, às margens do Araguaia. Com acessos apenas pela estrada de terra ou de barco descendo o rio a partir de Xambioá ou São Geraldo do Araguaia.
Nesta região o rio apresenta diversos afloramentos rochosos conhecidos como pedrais. Nestas formações há milhares de gravuras rupestres e mais de 100 feições espeleológicas registradas, principalmente na ilha, inacessível na época da visita, de cheia do rio, e diversas cavidades com vestígios arqueológicos.
Visita à Unidade da Votorantim Cimentos
Na visita à Unidade da Votorantim Cimentos, foi possível conhecer as instalações e as ações de meio ambiente desenvolvidas pela empresa, com destaque para o trabalho de captura e soltura de animais, o plantio de mudas e a aplicação de um planejamento que busca compatibilizar suas operações com a preservação de rios, matas e cavernas da região.
Na ocasião, também foram apresentados aos gestores da unidade a Cooperação Técnica e os objetivos da visita, destacando o papel da cooperação para que as ações em torno dos temas propostos pelo convênio sejam símbolos de motivação e de relacionamento institucional.
Guerrilha do Araguaia
Neste momento da criação da comissão da verdade e de luta dos familiares de desaparecidos durante o regime autoritário-militar para que os fatos sejam revelados, esta visita à região ganha um viés diferente. A Guerrilha do Araguaia foi um conflito armado entre o Exército Brasileiro e guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil ocorrido entre 1972 e 1974 e Xambioá foi o principal palco da luta sangrenta, que resultou em crimes, violência, tortura, perseguição e assassinato dos guerrilheiros e de moradores locais.
Segundo documentos do PCdoB, o movimento rural armado contra o regime militar foi organizado como resistência para enfrentar a “ditadura terrorista”. Iniciado em 1967 o grupo guerrilheiro começa a aglutinar-se a região do Araguaia. Formado principalmente de universitários e profissionais liberais vindos de diversas regiões do Brasil, estes começam a se relacionar com a população local e se organizar. Tinha por objetivo fomentar uma revolução socialista iniciada no campo e baseada nas experiências da Revolução Cubana e Chinesa.
O governo e o exército brasileiros negaram a existência do movimento e da sua repressão, temendo um levante popular e perda do poder. Apenas cerca de 20 anos após a sua extinção foi reconhecida pelas forças armadas. Porém diversos documentos foram destruídos e até hoje não se sabe o local exato onde estão os corpos dos desaparecidos. Foram reconhecidos pelo governo 61 guerrilheiros desaparecidos, de um total de 79 e 16 militares mortos, entre os mais de 10.000 comandados pelo exército no combate durante o conflito.
Agradecimentos
Agradecemos à Cooperação Técnica e à Votorantim Cimentos pelo suporte logístico e ao Grupo Espeleológico de Marabá e à Fundação Casa de Cultura de Marabá pelo apoio local. Um agradecimento especial ao Bruno Scherer por ter nos acompanhado e compartilhado um pouco de seu conhecimento sobre o patrimônio espeleológico local e ao Rafael Scherer e família pelo vinho e ótimo papo.
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