"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"

Leonardo Da Vinci

quarta-feira, 18 de março de 2009

Passagem submersa, abelhas, falta de oxigênio...

Texto Daniel Menin - Mapa Leda Zogbi

No final de semana de 07 e 08/03 realizamos como combinado mais uma viagem ao RN para continuar os trabalhos de mapeamento em parceria com o CECAV.

Estávamos muito entusiasmados com as descobertas da última viagem e com a suposta ampla continuidade ainda inexplorada. Já fui me preparando psicologicamente durante toda a semana. Arrumei minha mochila com equipamentos, alimentos e iluminação extra pensando em uma incursão mais longa dentro da caverna.

No Sábado acordamos cedo e rumamos diretamente para entrada da caverna. Tudo indicava que seria uma grande exploração. Devido à umas abelhas na entrada do abismo decidimos usar os mesmos pontos de ancoragem como das outras vezes ao invés de batermos spits em outro ponto conforme planejado. A entrada da caverna é daquelas bem chatinhas. Literalmente um buraco no chão, passagem estreita sem nenhum apoio aos pés. O ponto de fixação da corda baixo faz com que o espeleólogo fique em posições difíceis ao entrar na cavidade. Se entrar já é chato muito mais irritante é sair. Pendurado a uma altura de cerca de 20m o espeleólogo tem que se espremer enquanto eleva-se na corda e projeta seu corpo para fora da caverna.

Tivemos que descer em silêncio pois o barulho das abelhas indicava forte atividade bem pertinho da entrada. A surpresa maior foi quando nos penduramos na corda, já na parte de dentro da caverna e demos de cara com elas construindo uma colméia, logo nos primeiros metros da descida. Neste momento, suspenso a 20m do fundo e após ter passado a sofrível entrada o caminho para baixo, apesar de mais longo, é claramente o mais rápido e seguro em caso de qualquer urgência…

Descemos rapidamente seguimos direto para o sifão da caverna. A esperança era de que ele, apesar das chuvas de alguns dias anteriores, estivesse seco o suficiente para possibilitar nossa passagem. Doce ilusão, o sifão estava cheio e a passagem submersa.

Forçamos um pouco, entrei na água algumas vezes. Mergulhei apalpando o fundo e o teto e…. nada!. Mergulhei de novo e fui sifão adentro agora de ré e… nada. Nem sinal de encontrar o outro lado. A água, já bastante turva não facilitava o trabalho. Era apenas uma pequena passagem, com teto baixo e dentro da água, mas arriscado demais para forcar uma passagem novamente mergulhando. Tentamos baixar o nível de água com as mochilas estanques, mas sem nenhum sucesso perceptível. Após cerca de 40 minutos “secando” a passagem observamos que nosso esforço era em vão. Resolvemos desistir e voltar no dia seguinte.

Deixamos o abismo equipado para o dia seguinte, mas desta vez não foi o sifão que impediu nossa entrada, mas sim as abelhas que estavam bem mais ativas. Fiquei alguns minutos próximo ao ponto de descida, na entrada da caverna para ver como elas reagiam na nossa presença e elas começaram a ficar mais agitadas, como se avisassem que desta vez seriam menos tolerantes… resolvemos não arriscar.

Ainda no Domingo tentamos iniciar o mapa de outra caverna na mesma região. A gruta da Raínha é conhecida pela sua beleza, mas também pelo sufocante calor em seu interior. Nosso plano era tentar descer um abismo no final da caverna e topografar do abismo para a entrada.

Mais uma vez nosso trabalho foi bloqueado e desta vez o oxigênio foi a barreira encontrada. Além de extremamente quente, quanto mais se avança caverna adentro mais difícil fica a respiração. Próximo ao abismo fica bastante perigoso arriscar uma descida em corda sem algum equipamento para auxiliar a respiração. Independente dos esforços físicos, estávamos sem ar, disputando oxigênio como se acabássemos de correr 100m rasos!

Mais uma vez resolvemos não arriscar. Passagem submersa, abelhas, falta de oxigênio... muitos eventos para um só final de semana. Melhor dividir estas barreiras em várias outras viagens futuras.

Este trabalho só está sendo possível devido à parceria entre o CECAV/RN e espeleólogos de diversos grupos do Brasil unidos através da lista Meandros.

Até as próximas!


sexta-feira, 6 de março de 2009

Descobertas e surpresas no RN

Por Leda Zogbi
Fotos Daniel Menin e Leda Zogbi

Para chegar na caverna, só mesmo com trilha no GPS, porque a estradinha tem diversas bifurcações, e seria difícil se localizar. O carro fica a uns 30 m do buraco, então nos equipamos no carro mesmo e rumamos para a entrada do abismo, que fica numa dolina, mato por todo lado. Não é um lagedo aberto como boa parte das cavernas que fomos anteriormente no RN.
O Daniel resolveu usar uma árvore que tinha perto da entrada do abismo para ancorar, e mais um pedaço da rocha bem na boca. Desceu primeiro. Aos poucos fomos descendo todos menos o Iatagan e o Darcy que iam ficar prospectando outras cavernas na região e cuidando da corda também (eles estavam com medo de alguém levar a corda, ia ser mesmo dureza...). O abismo tem 18 m de altura e é bem ornamentado: você desce no meio dos escorrimentos, bem bonito.

Esse abismo de entrada chega bem no meio do conduto principal da caverna, que segue para os dois lados. Resolvemos fazer duas equipes, cada uma avançando para um lado diferente da caverna. Deixamos água e comida na entrada, pois havíamos a impressão de que o nosso lado da caverna seria curto, o plano era mapear esta parte e voltar para ajudar a outra equipe no conduto "principal" da caverna.

Fomos evoluindo em um conduto único, com uns 4/5m de largura, e chão de areia. Um bom trecho era teto baixo, tipo com 1/1,20m de altura. O conduto ia meandrando em curvas suaves, e havia diversas cúpulas com escorrimentos no teto, um alívio, porque dava para ficar em pé por alguns instantes antes de continuar a topo. Atingimos depois de uns 150m um salão, onde encontramos uma enorme caranguejeira e alguns escorrimentos bem bonitos (sala da caranguejeira).
Mapeamos uns 350m, e chegamos num escorrimento alto que praticamente entupia a continuidade do conduto, restando apenas uma fresta de uns 30cm de altura por cima do escorrimento (na parte mais alta) , uns 2,20m acima do nível do chão. Escalamos pela parede oposta e colocamos a cara e a lanterna pelo buraco, e deu para ver que continuava bastante... Logo depois desse escorrimento à direita, achamos uma passagenzinha que dava acesso para uma sala meio ovalada, altíssima: medimos 27m de altura até o teto, também cheio de escorrimentos. Desligamos as lanternas para ver se tinha alguma luz externa, mas não deu para ver luz nenhuma entrando pelo teto. Nessa sala, havia muitos bichos: um amblipígeo gigantesco, uma rãzinha... Chamamos a sala de "cúpula dos Bichos" .
Como a hora já estava adiantada e não tinhamos bebido e nem comido nada, amarramos uma base fixa na entrada do escorrimento e voltamos até o abismo de entrada. Foi gozado, porque a outra equipe estava chegando exatamente na mesma hora. E o mais incrível: achamos amarrado em uma corda uma geladeirinha de isopor com duas cocas litro!!!! Parecia miragem, mas eram os colegas Iatagan e Darcy que tinham feito essa boa ação para nós... A equipe do Daniel contou que tinha mapeado um salão muito ornamentado, e depois havia uma bifurcação. Pegaram à direita e foram até um ponto muito apertado, onde após algumas dezenas de metros rastejando, o conduto parecia ter pouco oxigênio. Deixaram parte do mapa em aberto e voltaram.
Da bifurcação ficou faltando verificar o lado esquerdo.

Já eram umas 3h30, e ficamos na dúvida entre voltar para continuar a topo ou sair. A maioria acabou resolvendo sair e deixar a continuação para o dia seguinte. O apelo da cerveja estava "alto", vocês não imaginam o calor dentro da caverna... Voltamos para a pousada, e depois do banho ainda tive forças de lançar os dados no Compass para ver como estava ficando a caverna... Já tinhamos somado 638m de trena!
Dia seguinte, café da manhã na pousada e lá fomos nós para o buraco. Já estava todo mundo mais "safo" depois da experiência do dia anterior. Montamos de novo duas equipes: a primeira iriam checar o buraco que deixamos em cima do escorrimento, e a segunda (a minha) iria continuar o mapa do ramo esquerdo da bifurcação.
Chegamos logo no salão que eles haviam mapeado no dia anterior, e fui dar uma olhada. Tem realmente algumas flores de gipsita. Segundo os amigos do RN, isso é raríssimo por aqui. No dia anterior a equipe do Daniel havia encontrado também um dente, possivelmente de onça. Para chegar na dita cuja da bifurcação, é preciso passar por um sifãozinho, um teto baixo que enche de água.
Quando os meninos tinham passado na véspera, parece que o nível da água estava bem mais alto, mas meu santo é forte e o nível baixou bem. Passamos o sifão e entramos na bifurcação à esquerda, e daí começou a felicidade plena: um conduto, de areia e seixos, meandrando continuamente. Chegamos então numa sala redonda bem ornamentada, com um nível superior e logo depois mais condutos altos. Em umas 3h mapeamos 400m... Nossa água acabou (tínhamos levado uma garrafa de 1,5 l, mas foi pouco, pelo calor que faz lá dentro). Depois que toda equipe resolveu parar mesmo, ainda andei (na verdade corri) mais uns 100m, e a coisa continuava no mesmo padrão... Na volta, a passagem pelo sifãozinho cheio de água foi uma maravilha... O calor era tanto, que acho que até saiu fumaça quando entramos na água. Voltamos lá pelas 14h, e encontramos a Renata já na corda: eles também tinham acabado de chegar... Tinham mapeado mais 200m depois do escorrimento que havíamos deixado no dia anterior. Quase tudo no teto-baixo, mas condutos largos e bem formados.
No total, a topo chegou em 1225m de linha de trena.
A época das chuvas está começando, e a caverna deve ficar logo com boa parte inundada. Antes disto, uma nova expedição está sendo organizada onde uma equipe de topografia continuará o trabalho neste conduto que, até agora, não apresenta nenhum sinal de estar próximo ao fim…
Na saída, paramos de novo no boteco (lógico), que ninguém é de ferro. Depois de um último brinde, fomos tomar um banho rápido na pousada e tomamos o rumo de Mossoró…
Valeu mesmo pessoal!
Não sei se poderei estar presente já nesta próxima empreitada mas espero poder ir de novo mapear com a galera do RN!!.