Uma recém terminada expedição de espeleomergulho no Brasil realizou grandes descobertas em consagradas cavernas brasileiras. Abaixo segue relato das atividades, fotos e um filme da viagem.
Foto: Alexandre Socci
Expedição EMB Bahia 2021
Dentro do Ano Internacional das Cavernas e do Carste, o Espeleo Mergulho Brasil - EMB realizou sua primeira expedição, no mês de junho de 2021, onde oito cavernas foram exploradas ou retopografadas, na região de Iraquara e Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, no coração da Bahia.
Composta por três mergulhadores brasileiros, um austríaco e um francês, a equipe explorou e topografou sifões cujas linhas de trena (tomadas a partir de cabos guia, posto que se trata de mergulho) resultaram em mais de 4.000 m de condutos inéditos.
Na porção noroeste da Lapa Doce I, conhecida como Lapa Furada, em um sifão que foi batizado como “Jorge Lima”, em homenagem ao professor doutor Jorge Luiz Lopes da Silva, paleontologista da Museu de História Natural da Universidade Federal de Alagoas, e ao saudoso Sr. Simpliciano Lima, pioneiro nas explorações da Lapa Doce, foram prospectados mais 1.300 m e o conduto submerso continua promissor à montante.
E na Gruta Brejões I foram de 2.000 m de novos condutos e identificou-se também um salão seco com 80 m de extensão em sua extremidade sul, à montante do rio Jacaré, o qual parece ser acessível somente por mergulho, e que batizado com “Salão Tão Só”.
A conexão subaquática entre as Grutas Brejões I e II, cunhada como “Conexão do Flávio” é, certamente, a contribuição do EMB de maior impacto para a espeleologia brasileira nesta expedição. A equipe aproveitou a oportunidade de sua visita nas Veredas Romão Gramacho para montar uma via de corda no topo da entrada principal da gruta Brejões I, com cerca de 120 m de altura, onde alguns integrantes efetuaram rapel e outros aproveitaram a oportunidade para completar o trajeto subindo de volta a via.
Adicionalmente, o EMB retopografou as partes alagadas das grutas da Pratinha e Azul (697 m), bem como dois sifões da Lapa Doce II (505 m), empregando moderno equipamento de topografia sub, o qual garante maior precisão nas medidas, assim como mais velocidade na aquisição de dados. Todos os dados de topografia obtidos estão sendo organizados e, em breve, serão enviados para os responsáveis pelos mapas das respectivas cavidades.
A expedição EMB BAHIA 2021 contou com o apoio fundamental da Comunidade Quilombola dos Brejões – Veredas Romão Gramacho, da Dominican Republic Speleological Society – DRSS, das Fazendas Lapa Doce e Pratinha, do Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA, do Museu de Ciências da Terra do Serviço Geológico do Brasil – CPRM, da Sociedade Baiana de Espeleologia – SBAE, da Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE, da Sociedade Espeleológica Azimute – SEA e da World Adventure Society – WAS.
O Espeleo Mergulho Brasil é um coletivo de mergulhadores dedicado à exploração e mapeamento de porções alagadas de cavernas com vistas a ampliar o conhecimento do patrimônio espeleológico brasileiro.
Se você conhece alguma cavidade cuja exploração possa se beneficiar de uma equipe de exploração e mapeamento subaquáticos, entre em contato com o EMB. Envie uma mensagem em nossa página do Facebook @espeleomergulhobrasil
A Conexão do Flávio
A proposta de conectar as grutas Brejões I e II surgiu ainda no início do planejamento da expedição. Era o principal objetivo a ser alcançado nos Brejões. Após um período de alguns dias de exploração na região de Iraquara, a equipe se deslocou para os Brejões, onde dois dias de mergulhos foram planejados para atingir tal objetivo e contou com participação e apoio de membros da Sociedade Espeleológica Azimute – SEA.
Infelizmente não se conseguiu mergulhar nos sifões planejados nesses dois dias por dificuldades logísticas. Contudo foram explorados cerca de 1.300 m de novos condutos submersos na Brejões I, porém todos sifões afastados dos prováveis pontos de conexão.
A equipe voltou à região de Iraquara e após alguns dias ali, aproveitando o ensejo festivo de São João, surgiu a ideia retornar aos Brejões para fazer novas investidas de exploração e tentar mais uma vez um mergulho para buscar a conexão.
Uma vez que o tempo para a exploração e a tentativa da conexão seria limitado a apenas quatro dias em campo, foi feito um contato com o pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil – CPRM e também com espeleólogos do Grupo Bambuí, que forneceram importantes dicas para o reconhecimento prévio ao mergulho nos sifões da Brejões II, especificamente naqueles que possuíam maior potencial para serem os pontos finais da possível conexão entre as duas grutas. Durante essa investigação também foi identificado um sifão com grande potencial de mergulho no lado da Brejões I. Tal sifão foi batizado de “Sifão Bom”.
A aposta no “Sifão Bom” acabou rendendo os melhores frutos possíveis. Após uma sequência de dois mergulhos consecutivos no mesmo dia, a equipe acabou fazendo a conexão. No dia seguinte a equipe se deslocou até a Gruta Brejões II com o objetivo de localizar o cabo guia e a seta instalados durante o mergulho do dia anterior, e assim poder confirmar de fato a conexão entre as duas grutas. E finalmente, no último sifão da gruta Lapa dos Brejões II, batizado como “Sifão Distante”, o cabo e a seta foram identificados.
Era oficial: as grutas Brejões I e II estavam conectadas por meio de um grande conduto subaquático que foi batizado como “Conexão do Flávio”, o qual conta com um cabo guia de 463 m de extensão – prestando assim uma singela homenagem à um grande amigo que partiu.
A conexão dos Brejões foi um grande sonho realizado pelo EMB em uma das mais icônicas grutas do nosso Brasil. Um único sistema, lapidado ao longo dos séculos pelo rio Jacaré.
Breves observações sobre a hidrologia da Gruta Brejões
Nos mergulhos realizados nos diversos sifões na Gruta Brejões I foram identificados o que parecem ser dois corpos d’água distintos, apesar de bastante próximos.
Tanto o “Sifão da Bicicleta” quanto o “Sifão do Cruzeiro”, localizados na porção sul da Brejões I apresentam águas escuras com matéria orgânica (possivelmente ácido tânico - C76H52O46) e uma temperatura mais elevada de cerca de 25 ℃ a -30 m de profundidade e 22 ℃ dos -20 m até a superfície. Também verificou a presença de colônias de bactérias, em formatos de “algodões brancos”.
Já na “Conexão do Flávio”, que liga os sifões “Bom” e “Distante” entre as grutas Brejões I e II respectivamente, apresenta água marcantemente mais límpida, apesar do tom esverdeado, e temperatura mais baixa e constante da superfície até os -34 m de profundidade: cerca de 22 ℃.
O intrigante reside no fato de que ambos corpos d’água não distarem mais do que 800 m um do outro. E apesar de próximos, devido às características descritas, inferimos que possam tratar de fontes diferentes. Assim há a necessidade de se realizar uma investigação detalhada para que essa observação de campo seja confirmada.
Foto: Alexandre Socci