"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"
Entre os dias 12 e 14 de Novembro de 2022 aconteceu o XXII EPELEO – Encontro Paulista de Espeleologia. O evento se deu no Bairro da Serra, localizado no coração do PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira, uma região repleta de cavernas e belezas naturais.
O evento foi organizado por dois grupos de espeleologia locais, o Grupo Manduri e o GESAP (Grupo de Espeleologia de Apiaí). Além de palestras de espeleólogos locais e especialistas de diferentes áreas, o evento proporcionou saídas de campo e cursos que promoveram troca de informações e uma grande confraternização entre pessoas interessadas de diferentes áreas do conhecimento e regiões do Brasil.
Eventos como esse fomentam a espeleologia como um todo, além de dar espaço para a divulgação de trabalhos, unir pessoas e abrir portas a novos espeleólogos.
Parabenizamos os organizadores, todos que contribuíram participando e compartilhando conteúdo e também aos apoiadores, entre eles a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) e a Fundação Florestal do Estado de São Paulo.
Programação completa do evento
Participação massiva dos grupos. Na imagem acima, membros do Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas. Destaque também para os grupos Meandros, UPE (União Paulista de Espeleologia), Manduri, GESAP e EGRIC (Espeleo Grupo de Rio Claro) que estiveram em peso e muito contribuíram para o evento.
Palestra sobre Valores Espeleológicos e uma visão sobre o Alto Vale do Ribeira, por Daniel Menin (GBPE, Meandros e IGc-USP - Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo).
Palestra sobre Animais Peçonhentos, ministrada pelo Thomaz Rocha e Silva (Vagalume - GBPE).
Venda de livros na feirinha do Bairro da Serra. O evento também foi uma oportunidade para turistas e espeleólogos terem acesso a bibliografias especializadas.
Curso básico de Técnicas Verticais ministrados pelos espeleólogos locais Eduardo Oliveira (Dudu) e Paulo Messias (Paulinho), ambos do Grupo Mandurí de Espeleologia.
Aula teórica do curso de fotografia em cavernas, ministrado pelo espelefotógrafo Alexandre Lobo (Lobinho) do GBPE.
Equipe de instrutores e alunos do curso básico de topografia de cavernas.
Aula prática do curso básico de topografia de cavernas, ministrado por Leda Zogbi (Meandros), Daniel Menin (GBPE e Meandros) e Elizandra Gomig (Egric e Meandros). Em 3 equipes e utilizando diferentes equipamentos e métodos, os alunos topografaram a Caverna do Couto.
No curso de topografia, os alunos tiveram a oportunidade de alternar diferentes posições na topografia, de croquis à ponta de trena.
Todo percurso turístico da Gruta do Couto foi mapeada pelas equipes dos alunos.
Aula prática do curso de topografia de cavernas.
Uso de trena laser e Disto X durante a prática do curso de topografia de cavernas.
Uso de técnica 100% digital, com Disto X e os aplicativos TopoDroid e SexyTopo.
Apresentação do GBPE (Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas) realizada pelo espeleólogo Alexandre Lobo (Lobinho).
Entre os dias 26 e 30 de Abril foi organizada mais uma expedição ao Alto Vale do Ribeira. Os objetivos da viagem se dividiram entre trabalhos na Unidade de Conservação do PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira) e no Parque Estadual da Caverna do Diabo (CAD).
No PETAR os trabalhos se concentraram em uma visita de documentação na Caverna Ouro Grosso e na continuidade das explorações verticais de mapeamento na Caverna Laje Branca, realizada pelo grupo de espeleologia Meandros. Nesta última, uma escalada realizada em um conduto afluente levou a equipe a galerias ainda inexploradas e de difícil acesso, mas com relevantes trechos descobertos e mapeados. Um conduto ativo se desenvolve afastando-se da caverna em um ângulo que varia entre 40 e 60 graus de inclinação. Trechos amplos e com vento indicam que novas descobertas estão por vir em viagens futuras para continuidade do trabalho. Toda a subida foi realizada com o uso de equipamentos de escalada artificial sendo muito difícil a progressão sem estes recursos. Participaram da escalada os espeleólogos Daniel, Maria, Allan Calux, Thiago Lima e o norte americano John Fioroni da The Cave Exploration Society, de Boston.
Outra atividades realizada foi de documentação fotográfica na Caverna Ouro Grosso, no contexto de projeto de inventário e geração de materiais de comunicação científica e educação.
Croquis de parte do conduto escalado na Caverna Laje Branca (PETAR)
Um dos garrafões na Caverna Ouro Grosso documentados durante a atividade
Na caverna do Diabo (Gruta da Tapagem)
Já no Parque Estadual da Caverna do Diabo as atividades foram de continuidade do trabalho de mapeamento conduzido pelo Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas. Com o mapa desenhado, sobraram algumas possibilidades de exploração em pontos de escalada e trechos de maior dificuldade de acesso. A viagem se concentrou em 4 pontos, escalando partes no Lago do Silêncio, a parede do Salão Meca, uma lateral no conduto de rio e um salão superior cuja entrada é visível a partir do Delta 8. As primeiras escaladas não renderam continuidades relevantes, mas a última levou à descoberta de um novo salão para a caverna.
Embora a entrada estivesse visível a quem passasse pelo local, o salão descoberto não estava em nenhum mapa anterior e sequer haviam traços de visitas anteriores. Provavelmente por conta de seu acesso ser bastante difícil, aparentemente acessível apenas através de uma escalada em negativo.
Após estudar possíveis rotas de acesso, a equipe decidiu investir por um caminho lateral, em uma escalada mais fácil, e então acessar o conduto pelo lado, através um corrimão. A estratégia foi bem sucedida e o salão topografado na tarde do dia 01 de Maio. Estavam na escalada 2 espeleólogos do Bambuí (Daniel e Maria) e um do Grupo Mandurí (Maurício), além de uma equipe de apoio formada por mais 2 espeleólogos (Priscila, do Bambuí e Eduardo, Mandurí).
A primeira parte da escalada foi realizada livremente pelo Maurício, com segurança a partir de baixo. Uma vez acessada uma parede vertical e com poucos apoios, o percurso foi concluído por mim (Daniel) com o uso de equipamentos de escalada artificial (furadeira, parabolts e multimontes).
Pouco a pouco a Caverna do Diabo deve somar mais alguns metros em sua Projeção Horizontal, hoje com 8.650m.
Novas viagens devem ser organizadas pelo Grupo Bambuí tanto para a continuidade das pendências na Caverna do Diabo quanto na Caverna Laje Branca, entre outras frentes abertas na região no Lajeado e em Bulha D'água, PETAR.
Croquis do salão "Maumandú", descoberto após escalada na Caverna do Diabo.
Perfil do novo salão. O ponto de escalada foi a partir do Delta 8, visível à direita do croquis.
Entre os dias 26/02 e 01/03 foi organizada mais uma viagem à região de Bulha D’água, no PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira), em SP.
O objetivo principal da viagem era desequipar o Abismo Los Três Amigos, caverna em exploração desde 2006 pelo Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas com apoio de espeleólogos de diferentes grupos.
O abismo é atualmente a 11ª caverna de maior desnível do país. Compreende a uma caverna com condutos e salas de grandes proporções, mas acessadas apenas por vias verticais. Um conjunto de poços dão acesso a galerias de grandes proporções com um conduto fóssil de abatimento e outro de rio, a cerca de 200m de desnível da única entrada conhecida.
Durante estes anos, ambas as extremidades foram exploradas e toda caverna topografada com a publicação do mapa em 2019. Entretanto, permanecem algumas possibilidades de continuação por passagens estreitas entre blocos e através de possíveis escaladas ao longo da gruta.
Diante das dificuldades de acesso a estas possibilidades foi tomada a decisão de retomar os esforços por fora da caverna, retirando as cordas de seu interior e buscando alternativas de uma outra entrada. Embora esta decisão tenha sido tomada há algum tempo, a saída para retirada das cordas foi atrasada algumas vezes por conta da pandemia.
Com a ausência de atividades na caverna, as trilhas estavam fechadas, o que atrasou em algumas horas a entrada da equipe no abismo. O primeiro dia da viagem, antes planejado para aumentar a estada na caverna, acabou sendo usado apenas na mata para abrir caminho em uma tentativa frustrada de encontrar a gruta. No dia seguinte os espeleólogos encontraram a caverna e deram início ao planejamento da viagem. Mesmo atrasando em quase um dia a atividade, 4 espeleólogos permaneceram por 27h dentro da caverna. Durante os trabalhos, além da desequipagem também foram realizadas fotografias em alguns grandes salões e corrigidos detalhes de croquis no mapa anterior.
Devido ao volume de todo equipamento retirado, parte das cordas permaneceu guardada em uma sala de fácil acesso à 40m de desnível. O equipamento será removido em uma próxima atividade a ser organizada com esta finalidade.
O Abismo Los Tres Amigos foi descoberto em 2006 e desde então representou um grande desafio para sua exploração e mapeamento. Fotos, história e mapa podem ser encontrados no Atlas do Brasil Subterrâneo (Rubbioli et al. 2019) e em uma publicação no ANAIS do 35º Congresso Brasileiro de Espeleologia (Menin, 2019). Os relatos de praticamente todas as saídas podem ser encontradas aqui neste site (buscando pelo nome do Abismo na área de pesquisa) e Blogo do Iscoti.
Conduto de abatimento com grande volume é uma constante na caverna. Cerca de 30m abaixo encontra-se o atual conduto ativo de rio.
Nesta imagem observam-se os 2 níveis mais profundos da caverna: um grande conduto de abatimento e a descida para o conduto de rio, 30m abaixo.
Um dos pontos mais icônicos da gruta é esta grande cortina. Com mais de 25m de comprimento e cerca de 3m de diâmetro, é uma das maiores cortinas conhecidas no Brasil.
Nesta imagem observa-se a grande cortina e um chuveiro. A cerca de 30m abaixo encontra-se o conduto ativo de rio.
Da esquerda para a direita: Maria Souza, Daniel Menin, Thomaz R e Silva (Vagalume) e Lucas Padoan (Rejeito).
Referências:
RUBBIOLI, E., AULER, A. S., MENIN, D.; BRANDI, R. Atlas do Brasil Subterrâneo. Brasília: Editora IABS, 2019.
MENIN, D.S. Seria o abismo Los Três Amigos a última grande caverna em exploração?. In: ZAMPAULO, R. A. (org.) CONGRESSO BRASILEIRO DE ESPELEOLOGIA, 35, 2019. Bonito. Anais... Campinas: SBE, 2019. p.185-189. Disponível em: <http://www.cavernas.org.br/anais35cbe/35cbe_185-189.pdf>.
Não é de hoje que as cavernas brasileiras correm perigo. Em alguns locais específicos (como no na cidade de São Desidério ou em Ourolândia na Bahia, e no PETAR, em SP) longas brigas judiciais têm segurado empreendimentos que comprovadamente ameaçam cavernas de extrema relevância no país.
Mas uma comunidade espeleólógica e científica relativamente forte têm atuado em parceria com órgãos governamentais e, desde a década de 80, se mobilizado para criar e evoluir regulamentações que permitem a exploração econômica sem comprometer o patrimônio natural espeleológico. Foram décadas de inúmeras discussões, workshops, reuniões e grupos interdisciplinares de trabalho para se chegar ao que hoje é tido como uma das mais avançadas regulamentações para conservação do patrimônio espeleológico.
Lavra de calcário sobre a Caverna Toca dos Ossos (Ourolândia, BA). A caverna repleta de fósseis é uma das maiores do país. Teve condutos depredados por mineração até se tornar área de proteção ambiental.
Entretanto, nos últimos anos, temos vistos agressivas e constantes tentativas de derrubada das regulamentações de proteção. Um retrocesso sem precedentes na história da gestão do meio ambiente em nosso país.
Em 2019 uma ação do MME (Ministério de Minas e Energia) buscou alterar os Decretos Federais n.º 99.556/1990 e n.º 6.640/2008 que dispunham da relevância e da proteção das cavernas brasileiras. Na ocasião a Sociedade Brasileira de Espeleologia, com ajuda de toda comunidade espeleológica, criou uma campanha de conscientização e alerta da sociedade. Chamou atenção da grande mídia que acabou veiculando matérias sobre o assunto barrando temporariamente o retrocesso.
Recentemente, outra tentativa ainda pior (o Decreto 10.935/2022 assinado pelo presidente da república) coloca por terra todo o trabalho feito até agora na proteção das cavernas e abre brechas para a supressão completa de cavernas, mesmo que sejam as mais importantes do país.
Perceba: as cavernas são como máquinas do tempo. Guardadas em suas galerias subterrâneas estão milhares de anos de nossa história climática, da ocupação humana, da mega-fauna e de inúmeros processos geológicos que nos ajudam a entender o passado, o presente e o futuro. É um universo que está aos poucos sendo descoberto e conhecido pela comunidade científica brasileira. Universidades, grupos de espeleologia e institutos de pesquisa realizam uma ciência de ponta, o que tem reconhecido destaque internacional. Não há empreendimento público que justifique a destruição deste legado único que a natureza nos deixa.
Diante deste retrocesso, uma nova mobilização está em curso. São espeleólogos de todo país, cientistas, técnicos, turismólogos, condutores ambientais, e moradores locais que clamar por atenção ao problema e derrubada integral deste decreto.
Você também pode ajudar: Assine a petição pública contra o decreto. Compartilhe notícias. Chame atenção da sociedade, da mídia, do poder público, de todos àqueles que você tem acesso.
Vamos proteger esse recurso não renovável de conhecimento da nossa história e da história da Terra.
Video oficial da Sociedade Brasileira de Espeleologia em combate ao Decreto 10.935/2022
Live com especialistas do Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas sobre o Decreto
Edição do Fantástico sobre a ameaça que o Decreto representa às cavernas
Recentemente um vídeo impactante tem sido compartilhado na internet alertando sobre os riscos que o Decreto 10.935/2022 representa às cavernas brasileiras. Trata-se de uma produção independente e voluntária, organizada pela SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia), para que toda comunidade espeleológica se mobilizasse para chamar atenção da sociedade ao problema.
Acontece que nos últimos anos uma porção de vídeos sobre cavernas têm sido produzidos e publicados sem que hajam campanhas de divulgação, os deixando às margens do conhecimento mesmo entre os próprios espeleólogos.
Alguns deles são coleção de videos educativos, outros divulgam técnicas, outros contam histórias de explorações e descobertas e, outros ainda, difundem de maneira bem humorada campanhas de conscientização e histórias da espeleologia.
Para organizar parte deste material resolvi juntar os vídeos que trabalhei e publicar em uma única página, além do canal de Youtube cujo conteúdo é misturado com outros temas.
Abaixo segue portanto meu portfolio de vídeos, incluindo diferentes projetos. São mais de 20 títulos, alguns mais antigos (de 2006 em diante), mas que contam parte das atividades também descritas aqui neste site. Clique na imagem para visitar.