"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"

Leonardo Da Vinci

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Expedição científica percorre nordeste do estado da Bahia em busca de registros do clima do passado

Entre os dias 07 e 15 de Dezembro de 2019 uma expedição com cientistas especialistas em geologia, climatologia e espeleologia percorreu mais de 1000km de empoeiradas estradas de terra no árido sertão do nordeste, no Estado da Bahia.
A expedição foi liderada pelo Professor Dr Francisco W da Cruz Junios (Chico Bill), do Instituto de Geociências da USP (IGC) e teve colaboração de espeleólogos da UFB (universidade Federal da Bahia) do GMSE (Grupo Mundo Subterrrâneo de Espeleologia) e do GBPE (Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas).
A viagem percorreu cavernas nos municípios de Paripiranga, Uauá e Campo Formoso e o objetivo era encontrar espeleotemas que pudessem fornecer registos climáticos de parte dos últimos 20 mil anos na região (final do Pleistocêno e Holoceno), um período relativamente recente em se tratando de idades geológicas.
O campo compreendeu a uma pequena etapa de um projeto que vem mapeando o clima da Terra nos últimos 200 mil anos e que já teve conteúdos publicados em revistas científicas de grande repercussão, como a britânica Nature. Espeleotemas podem representar registos climáticos de boa parte do Pleistocêno, já foram coletadas estalagmites com 600 mil anos de registros sobre o regime e  a origem das chuvas na região onde elas se encontravam.
Entender o clima do passado ajuda os cientistas a criar modelos que permitem explicar melhor as mudanças climáticas do presente bem como prevê-as no futuro.
Além das pesquisas climáticas as equipes também realizaram levantamentos topográficos e fotográficos de algumas cavernas da região.

(Texto e fotos, Daniel Menin)

Por muito tempo a caverna de Bom Pastor foi usada em eventos religiosos recebendo visita maciça de fiéis. Recentemente espeleólogos locais têm feito trabalhos de isolamento de espeleotemas para determinar área de caminhamento e proteger de depredações.

Teto de conglomerado repleto de fósseis na Gruta do Bom Pastor

Escada de acesso construída na Gruta do Bom Pastor.

Rappel no fundo de uma dolina dá acesso ao Abismo do Cazuza.


Dezenas de baratas encontradas em uma região específica do Abismo do Cazuza.

Vista do alto da Serra do Jerônimo, onde encontra-se a Caverna do Jerônimo. 

Cadáver em decomposição de uma cabra, provavelmente perdida na caverna (Caverna Jerônimo - Uauá)

Grandes salas e formações caracterizam a caverna do Jerônimo, em Uauá. Mesmo a caverna tendo sido amplamente depredada, ainda resta grande beleza cênica e de potencial científico e pedagógico.

Trabalhos de topografia na Caverna Jerônimo - Uauá


Ossada de um quadrúpede, provavelmente um bode perdido dentro da caverna.

Grande coluna com alto grau de intemperismo, encontrada na Caverna do Jerônimo.

Grandes salas na Caverna Jerônimo - Uauá



A caverna de Jerônimo também era amplamente visitada em cultos religiosos e extração de salitre. Por todos seus salões, encontram-se estalagmites e colunas depredadas. 

A extração de salitre era realizada em escavações como esta visível na fotografia. Com o piso rompido pelas escavações, acumulam-se estalagmites quebradas próximo às áreas de extração.

A caverna de Jerônimo também era amplamente visitada em cultos religiosos e extração de salitre. por todos seus salões encontram-se estalagmites e colunas depredadas. 

Algumas das formações já depredadas foram utilizadas como amostras

Grande espeleotema retirado de sua posição original durante escavações de extração de salitre. Na parte de baixo, à direita, é possível observar buraco deixado para as escavações.

Alguns condutos na Toca da Boa Vista apresentam marcas de água em diferentes níveis fornecendo dados sobre épocas chuvosas na região.


Toca da Boa Vista, Bahia



Equipe de trabalho
Outras fotografias da expedição podem ser encontradas NESTE LINK.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Expedição fotográfica percorre cavernas de MT e MS


Uma expedição com mais de 20 espeleólogos acaba de percorrer as principais cavernas dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A viagem, que aconteceu em Junho e Julho de 2019, reuniu 9 fotógrafos brasileiros e estrangeiros e compreende ao Projeto LUZES NA ESCURIDÃO, Volume 2. 

Junto com os fotógrafos foi mobilizada uma equipe de modelos, assistentes, guias e grupos locais que deram todo suporte para que as principais cavernas de Bonito, Serra da Bodoquena, Nobres e Chapada doa Guimarães fossem visitadas e fotografadas.

Ao todo foram mais 2.000km rodados.
O Projeto Luzes na Escuridão teve início em 2016 e já tem publicado um livro fotográfico. Uma obra de 370 páginas e 4 idiomas que representa através da lente de alguns dos mais consagrados fotógrafos de caverna do mundo, as principais cavidades brasileiras.

Segundo Leda Zogbi, coordenadora geral do projeto, o Volume 2 deve ser impresso entre o final de 2019 e início de 2020 e, além de conter um avanço significativo em técnicas e equipamentos, trás também a novidade de estar repleto de fotografias subaquáticas.

Junto com o livro, foi lançada uma webserie com vídeos sobre cada fotógrafo e um episódio sobre a história do projeto. Através dos vídeos, é possível conhecer cada fotógrafo mais a fundo, além de contemplar uma primeira coletânea de fotografias captadas e belas filmagens que captam o ambiente da expedição e as paisagens visitadas.



No no site do LUZES NA ESCURIDÃO, é possível acessar os vídeos em diferentes legendas (Português, Inglês, Espanhol e Francês), bem como todas as informações pertinentes sobre o projeto.

Abaixo na íntegra alguns vídeos.


Filme institucional sobre o projeto e a expedição de 2019
Uma coletânea de filmagens sobre o dia a dia da expedição, além das belas paisagens do MT e MS.




Web série sobre os fotógrafos e técnicas de fotografias subterrâneas
Um video sobre cada fotógrafo da expedição, contendo informações sua técnica e algumas de suas fotos selecionadas.

Daniel Menin - Brasil

Philippe Crochet - França



Kevin Downey - USA

Ricardo Martinelli - Brasil


Marcelo Krause - Brasil





Victor Ferrer - Espanha


Ataliba Coelho - Brasil


Mirjian Windmer - Suíça


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Novas descobertas no Abismo Los Tres amigos: e o mistério continua.




Saída de 17 e 18 de Agosto de 2019

A última vez em que descemos o abismo tivemos uma surpresa: na parte mais distante à jusante da caverna nos deparamos com pegadas. Eram marcas antigas, de bota, provavelmente de algum espeleólogo ou explorador que adentrou na caverna por outro caminho diferente ao que usamos pelas cordas, o que nos intrigou muito.

O palpite principal era que esta pessoa poderia ter vindo de cima, por um íngreme escorrimento em uma das paredes do último conduto de rio explorado por nós. Que ali haveria uma conexão com uma entrada mais fácil, por cima.

Esta viagem portanto estava planejada para se chegar até este ponto e escalar o escorrimento. Devido ao número de pessoas, dividimos a saída em duas equipes de fundo e uma equipe de superfície. A primeira (A) com objetivo principal de chegar ao extremo Leste e escalar o conduto das pegadas. Uma segunda (B) com a intenção de retornar à montante (extremo Oeste) e averiguar possíveis escaladas nos salões superiores. Já a terceira seguiria os trabalhos de prospecção externa em busca de alguma entrada superior, além do apoio da logística e segurança em caso de resgate.

A equipe de escalada estava formada por mim e mais 2 espeleólogos de Brasília: o Adolpho e Rodrigo Severo. A segunda equipe foi formada por dois espeleólogos locais (Dudu e Maurício) e o Alberto, de São Paulo. Já a terceira equipe estava formada pelo Fábio, Adelino e Zé Guapiara.

Devido à distância e complexidade da atividade, a equipe A estava preparada para, ao retorno, dormir no patamar a -40m da entrada retornando para a casa de pesquisa somente Domingo de manhã ou a tarde. Já as duas outras equipes estavam preparadas para retornar no mesmo dia.

Além de nossos pertences pessoais, estávamos bastante carregados por conta da escalada (furadeira e cordas suplementares) e o apoio da equipe B foi essencial carregando alguns equipamentos até o patamar.

Entramos na trilha as 8h30 da manhã, chegando na boca da caverna em 1h40 de caminhada. Quando estávamos equipando a primeira descida, encontramos a segunda equipe chegando pela trilha.  Entramos todos na caverna por volta das 10h30 do Sábado.

Nossa equipe desceu na frente seguindo direto até a sala do voo livre. Na descida, fui refazendo alguns nós para tirar a pressão constante dos mesmos pontos de corda. Uma vez com equipe reunida no salão do voo-livre, seguimos caminho por entre os grandes blocos rumo à Leste da caverna. O caminho está relativamente marcado o que facilitou a progressão. Os grandes blocos e desníveis desta parte da caverna dificultam bastante o avanço.

Fizemos algumas rápidas paradas para fotografar o corrimão calcificado na passagem da grande cortina e continuamos nosso caminho ao extremo da caverna. Depois de passar pelas grandes salas acessa-se enfim o conduto de rio. O rio em algumas partes parece cortar o acabamento da rocha formando pequenas cachoeiras, corredeiras e belos poços. Aproveitamos para fazer algumas fotos enquanto caminhávamos. Por volta do meio-dia chegamos ao conduto fóssil onde havíamos explorado na última viagem e de onde é necessário novo vertical para acessar novamente o rio.
Após algumas tentativas de otimização de cordas, acabamos usando uma de 10m para esta primeira aproximação e outras duas cordas para a descida vertical. Desta vez, deixamos todo o sistema equipado para uma próxima incursão.

Chegamos ao ponto de escala as 13h30. Após cozinhar um banquete liofilizado de frango com feijão, iniciamos a escalada. Com o auxílio da furadeira, fui montando seguranças psicológicas ao longo do escorrimento. Sem muito apoio, a subida seguiu por uma inclinação de 45 a 70 graus com parabolts mal colocados servindo apenas de apoio moral para a subida. O Rodrigo foi fazendo minha segurança e o limite do tamanho da corda foi suficiente para se chegar até um ponto menos inclinado onde fiz uma ancoragem dupla e desta vez com parabolts bem fixados na rocha. Nos juntamos os três no patamar. Era uma sala bonita, com grandes travertinos ainda ativos e profundos. De lá foi possível subir mais um lance, com início totalmente vertical e outra área inclinada onde pude fazer uma ancoragem segura em grandes estalagmites. Novamente ambos se uniram a mim em outro patamar muito ornamentado, repleto de canudos e colunas de 2 a 4m. Dali em diante a escalada ficaria muito mais difícil. Teríamos que subir entre frágeis concreções por uma parede parte negativa e sem grandes possibilidades de continuação. Era possível ver parte do teto da gruta a cerca de uma dezena de metros acima. Estávamos bastante expostos, com o rio cerca de 30m abaixo e a escalada não seria nada fácil. Achamos melhor desistir e descer recolhendo a corda.
Uma vez no rio, resolvi avançar por alguns metros até o desmoronamento de onde vimos as pegadas. A incursão foi rápida e observei algumas possíveis continuações entre blocos, principalmente por partes bastante altas ou entre a água. As 20h iniciamos o retorno para nosso acampamento. Voltamos direto, com algumas rápidas paradas para troca de baterias de lanterna e lanches.
Chegando próximo ao salão do voo livre escutamos vozes da segunda equipe que estava subindo a corda do rio, entre os grandes blocos desmoronados. Iniciamos direto a subida do voo livre com intuito de evitar longas esperas. Cansado, fui o primeiro a entrar na corda e devo ter levado cerca de 30 minutos para subir todo o lance. Logo após veio o Rodrigo que - em forma - levou apenas 10 minutos para subir carregando duas mochilas.
Chegamos no patamar a -40m, local de nosso acampamento, por volta da meia-noite. Cansados, nem fizemos comida mas preparamos nosso acampamento para dormir o mais rápido possível. Desta vez levamos isolante, novas mantas térmicas e sacos de dormir o que tornou a noite muito mais agradável. Por volta da 1h30 da manhã ouvi a segunda equipe passando por nós, mas estava cansado demais para levantar e conversar. Dali em diante foi uma alternância de sono, dores no corpo e despertar com fortes roncos que vinham da direção do Adolpho até que as 9h da manhã resolvemos levantar acampamento. Fizemos nova refeição quente, juntamos as coisas e iniciamos o restante da subida pelas cordas. Ao se aproximar dos últimos lances ouvi alguém gritando do lado de fora: era o Zé Guapiara, que estava na boca da caverna havia cerca de 2h nos aguardando. Santa ajuda! Iniciamos a trilha de retorno por volta do meio dia e chemos na casa de pesquisa as 13h30. No caminho ainda encontramos o restante das equipes que vinham voltando da casa para a caverna preocupados com o horário.

A equipe B relatou não ter subido para as salas superiores, mas decidido tentar passagens pelo rio à montante. Sem a topografia em mãos, informaram ter passado por um desmoronamento no extremo Oeste da caverna e seguido o rio por mais cerca de 100m. Com a descoberta desta passagem no desmoronamento, a caverna avançou em direção à Ribeirãozinho II acabando em um sifão praticamente colado nesta outra gruta. Uma próxima viagem já está sendo organizada para estas duas grutas bem como para a topografia deste conduto ainda não mapeado. Também deverá ocorrer mais uma incursão ao conduto das pegadas para tentar passagens através do desmoronamento.

Já a equipe externa (C) prospectou na região da Caverna Bananeira Preta, ao sul do abismo Los Tres Amigos, constatando a impossibilidade de alguma conexão desta caverna com o abismo. Caminharam também por todo paredão do vale da Bananeira Preta até a gruta Ponte Caída, um sumidouro entre o Abismo e a Caverna Ribeirãozinho III. Foi encontrada uma nova caverna na região, nomeada de Toca da Bananinha, entretanto sem continuidades.

A caverna Los Tres Amigos continua portanto desafiando os espeleólogos. As incursões são cada vez mais distante e longas exigindo equipes preparadas e logísticas apuradas.

Equipe A iniciando a trilha (8h30)

Equipes B e C saindo da casa (por volta das 9h30)


Corrimão calcificado, na passagem da cortina gigante.



Conduto de rio com corredeiras e pequenas cachoeiras, no extremo Leste da caverna (jusante)



Almoço sendo preparado antes dos trabalhos de escalada.
Menu do dia: frango e feijão liofilizados, frutas secas e chocolate.


Selfie no mais alto patamar da escalada: conduto extremamente ornamentado com colunas e canudos.


Acho que meu nariz estava coçando enquanto eu escalava...

Acampamento montado no patamar a -40m da entrada da caverna.

Local expressamente proibido para sonâmbulos: risco de queda em abismos por todo lado.

Último sobrevivente saindo da caverna (Domingo por volta do meio-dia)

Enfim equipe A fora da caverna: Zé Guapiara nos aguardava para apoio na trilha de volta (graças!)

Equipe B no extremo Oeste.

Uma passagem descoberta entre blocos revelou a continuidade de pelo menos mais 100m de amplo conduto de rio.
Equipe C em prospecção externa.
Pequenas entradas encontradas, mas sem grandes potenciais de continuidade