"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"

Leonardo Da Vinci

domingo, 24 de agosto de 2008

Projeto Juvenal





O Abismo Juvenal compreende a uma importante caverna na história da espeleologia brasileira. Descoberto na década de setenta, foi palco de explorações relevantes e diferentes épocas, figurando por muitos anos como a caverna mais profundas do Brasil (-241m).

Os primeiros exploradores foram espeleólogos do Centro Excursionista Universitário (CEU). Um trabalho inicial continuado mais tarde por outros grupos de espeleologia em diferentes expedições. Além do CEU, trabalharam no Abismo do Juvenal o Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, o Grupo Pierre Martin de Espeleologia, a Trupe Vertical e o GESCAMP, além de investidas isoladas de espeleólogos não filiados. Apesar da importância histórica e dos frequentes trabalhos de exploração, alguns pontos com bom potencial de continuação da caverna ainda se mantinham não explorados devido às dificuldades de acesso: Estes locais, representados por grandes pontos de interrogação nos mapas do abismo, aguçavam a imaginação e desafiavam os espeleólogos mais aventureiros a explorá-los.

Entre os anos 2001 e 2005 uma nova iniciativa espeleológica estimulou a retomada dos trabalhos de exploração da caverna: o Projeto Juvenal. Além de atividades sistemáticas de verificação de possíveis continuidades subterrâneas, o projeto também realizou uma varredura externa buscando novas entradas e possíveis conexões com outras cavidades vizinhas.

Composto por três fases distintas, o projeto explorou e mapeou novos condutos do abismo, desvendou algumas pendências dos mapas anteriores e descobriu novas cavernas no entorno do abismo.

Em parceria com o Museu de Zoologia da USP, o Projeto Juvenal também auxiliou trabalhos de prospecção e levantamento paleontológico, encontrando e estudando fósseis em cavidades vizinhas ao abismo.

Depois de uma fase inicial, com foco na busca por novas cavidades ou conexões com o abismo, deu-se início a um trabalho sistemático de verificação de continuações internas na caverna. O foco principal foi a exploração das extremidades de uma grande galeria, situada a -120m de profundidade no abismo. A expectativa era de continuidade da galeria por um conduto superior, acessado somente através de escalada de uma parede vertical de abatimento na extremidade a jusante do contudo. A dificuldade de subida exigiu o desenvolvimento de técnicas de escaladas artificiais adaptadas a situação. Uma ascensão permitida através da incisão de parafusos de aço instalados na parede para servir como apoio ao escalador até que se atingisse uma superfície maciça o suficiente para a fixação de spits. A rocha foi perfurada manualmente e os parafusos instalados a golpes de martelo.

Durante as subidas, a equipe fez uso de técnicas tradicionais de segurança em escalada, com cordas dinâmicas, spits, chapeletas, costuras e segurança a partir de baixo.

As investidas de escalada exigiam o transporte de grandes quantidades de equipamento para dentro da caverna. Para se chegar até o local de início da escalada, a 120m de profundidade, consumiam-se horas e bastante energia dos exploradores. Por mais de um ano a caverna se manteve equipada, o que facilitou o trabalho dos espeleólogos. Mas mesmo assim, para algumas horas de atividade na parede de escalada calculavam-se um tempo muito maior para o deslocamento, compreendendo a descida das equipes até a área de exploração e depois o tempo de subida até a saída da gruta. Cada viagem exigia um minucioso trabalho de organização e logística prévia, tanto de equipamento e mantimentos quanto das pessoas envolvidas.

Após cerca de 15m escalados, a equipe se deparou com um terreno ainda mais instável, repleto de argila, blocos soltos e ausência de pontos para fixação de segurança. Blocos de sedimento se desprendiam de mais de 30m de altura diante de qualquer movimento representando alto risco de acidente aos exploradores abaixo, bem como de graves danos aos equipamentos.

Após mais de um ano de investidas e cerca de 40m escalados, a equipe se deparou com uma visão clara do teto da caverna e da não continuidade do conduto por alguma passagem superior. A parede conquistada, bem como um plateau lateral descoberto foram topografados e adicionados ao mapa, mas infelizmente não representaram a continuidade do abismo do Juvenal.

Em uma das investidas, enquanto uma equipe realizada a escalada um outro grupo descobriu uma passagem entre blocos em uma das laterais do conduto acessando uma área ainda desconhecida da caverna. Embora a princípio a descoberta representasse um alto potencial de continuidade. Após uma segunda investida e topografia, as galerias não prosseguiram por mais de uma centena de metros.

Ao todo, as estatísticas do projeto somam doze dias de trabalho no entorno do abismo, duzentos e onze horas de atividades dentro dele, o envolvimento de dezenove espeleólogos, oitenta e sete metros de paredes escaladas no seu interior e duzentos e setenta metros de cordas instaladas.

Maiores detalhes do projeto, bem como fotografias, mapas e relatórios estão disponíveis no site oficial do projeto.

Equipe em aproximação da entrada da caverna

Descida do abismo pelo caminho conhecido

Ascensão em corda durante os trabalhos de escalada

Um dos raros pontos com possibilidade de descanso durante a escalada

Ponto mais alto conquistado durante a escalada

Condutos inferiores descobertos durante o projeto

Condutos inferiores descobertos durante o projeto