"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"

Leonardo Da Vinci
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terça-feira, 5 de junho de 2018

Maior caverna da Amazônia revela novas galerias



 


Entre os dias 28 de Maio e 04 de Junho de 2018 foi realizada mais uma expedição espeleológica à caverna Paraíso, a maior caverna conhecida na região amazônica brasileira.

A caverna está localizada no município de Aveiro, no Pará, entre o Rio Tapajós e assentamentos da década de 80. O ponto mais conhecido da região é a cidade de Fordlândia, a 45km de distância da caverna por uma transamazônica precária.


A Caverna Paraíso teve seu mapa iniciado em 2005. Treze anos depois, outras 4 expedições topográficas já foram realizadas e os espeleólogos calculam mais de 3km de galerias conhecidas.
Além de seu tamanho surpreendente, a caverna também tem relevante importância científica. Em 2017 foi publicado um artigo na revista Nature sobre a caverna Paraíso e sua contribuição em estudos paleoclimáticos na região (mais detalhes, aqui).

A localização distante e o acesso no meio da floresta não são as únicas dificuldades de se trabalhar no local. A cada viagem, novas galerias foram sendo descobertas e áreas inexploradas foram se acumulando para outras expedições.

Esta mais recente incursão contou com 4 espeleólogos que se dividiram em duas equipes dedicando-se a exploração e topografia de labirintos e continuações localizadas nas áreas mais distantes da entrada. Mesmo em 3 dias intensos de trabalho, o mapa parece estar longe de terminar o que implica na organização de novas viagens em 2018 ou 2019.

O mapa atual está sendo produzido pelo Menadros espeleoclube e pode ser disponibilizado para estudos mediante autorização do grupo.



Rio Tapajós e chuva ao fundo.

Porto de Fordlândia, a 45km da região da caverna

Salão dos Pendentes, formações indicativas de níveis de fraqueza horizontal paralelos





quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Estudos na Caverna Paraíso publicados na revista Nature

Há 10 anos estivemos na Caverna Paraíso, localizada no meio da mata Amazônica, no estado do Pará. Além da exploração, o objetivo da viagem era continuar o mapeamento iniciado em uma ocasião anterior e realizar coletas científicas para estudo de paleoclima, estudos que mapeiam o clima da terra em diferentes regiões através de registros deixados no crescimento de estalagmites. Quanto mais rápido o crescimento da formação, mais húmido foi o período registrado. Como a Amazônia não conta ainda com muitas cavernas de calcário conhecidas, as amostras coletadas na Caverna Paraíso serviriam como uma das principais fontes de informação da região. Os geólogos Francisco William da Cruz Junior (Chico Bill), do Instituto de Geociências da USP e Augusto Auler, do Instituto do Carste organizaram a expedição e o estudo das amostras.


Dez anos se passaram e os resultados estão agora se tornando públicos. Um artigo recém publicado na mais importante revista científica do mundo, a Nature, está dando grande visibilidade às pesquisas. Segundo a matéria, a Amazônia passou, nos últimos 45mil anos, por grandes variações climáticas alternando épocas de muita umidade com épocas de menos chuva. De acordo com os resultados, durante a última glaciação – cerca de 21 mil anos atrás – o leste da Amazônia era bem menos úmido do que hoje, com aproximadamente 58% da chuva dos tempos atuais. Mais recentemente, cerca de 6 mil anos atrás, o estudo detectou um período de grande umidade, com 42% mais chuva do que nos dias de hoje (Revista FAPESP, 2017).





A Caverna Paraíso tem grande variação de fauna e também uma rica colação de formações. Apesar de ser hoje a maior caverna em Calcário conhecida na Amazônia, com cerca de 3km de desenvolvimento, é constantemente ameaçada por estar localizada próximo à lavras em plena atividade. Durante as expedições na região, cruzamos constantemente com caminhões de mineradoras locais operando a todo vapor.  Um movimento está sendo organizado para se comprovar a importância da gruta e transformar a região em parque. Se isto for realizado, não somente a Caverna Paraíso, mas outras que possam existir nas proximidades terão uma chance de serem preservadas.






quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O "Lado B" da espeleologia...

Texto: Daniel Menin
Fotos: Augusto Auler, Daniel Menin, Leda Zogbi
Mapas: Leda Zogbi

Alta concentração de Guano (fezes de morcego), superpopulação de insetos (baratas, aranhas, amblipígeos entre outros bixos das profundezas), poluição (lixo e esgoto), ossos, animais em decomposição, fungos e gases fedorentos ou tudo isso junto disputando espaço em uma área confinada...  Estes lugares existem, estão embaixo da terra e, se você é um espeleólogo fuçador, com certeza vai se deparar com uma caverna desse tipo mais cedo ou mais tarde.
Algumas cavernas apresentam áreas simplesmente inimagináveis para pessoas comuns. Transpor estas áreas, explorá-las e estudá-las acaba se transformando em uma tarefa extremamente árdua. Isto pois condutos estreitos, abatimento de blocos, escalada ou qualquer outro obstáculo que exiga nosso contato com a superfície ou permanência contínua em seu interior torna-se bem mais difícil que de costume.



Geralmente estas cavernas acabam ficando marginalizadas, muitas vezes faltam mapas e registros e esta desconsideração acaba facilitando à supressão definitiva ou degradação completa das grutas.
Mas nem tudo nestas cavernas é tão infernal como pareçe. Em alguns casos, a riquesa biológica pode gerar ótimos trabalhos científicos, um verdadeiro prato cheio para os biólogos. Em outros, podemos ter relevantes descobertas naturais sobre comportamento animal ou de nossos antepassados. É possível encontrarmos cemiterios de animais ou de pessoas de outras épocas alocados dentro de cavernas. Existem casos ainda onde temos a oportunidade de recuperar grutas em fase de degradação por lixo ou poluição. Por estes e tantos outros motivos, documentar esse tipo de caverna, levantando sua existência e alarmando os interessados pelo tema torna-se extremamente importante.
O objetivo deste texto é, não somente descrever algumas das grutas mais “nojentas” em que estivemos, mas principalmente levantar este ponto, alarmando, difundindo e principalmente colocando em pauta de discussão esse “lado B” da espeleologia. Em alguns casos, trata-se de denuncias sobre cavernas em plena fase de destruição. Em outros, apenas por carater de divulgação.


Toca do Inferno – Maranhão (Fatores orgânicos)


http://www.youtube.com/watch?v=Gwk_4616f1g




Localizada no interior do Maranhão, a Toca do inferno possui um amplo salão na entrada e alguns condutos mais estreitos até se fechar completamente sem possibilidades de continuação. Não se trata de calcário, mas sim uma gruta em quartzito. No seu interior, centenas de milhares de baratas cobrem o chão, disputando espaço sobre uma camada de fezes de morcegos, repleta de materia orgânica. Quando chegamos à caverna, logo fomos surpreendidos por um cavalo em seu interior. Uma enorme população de morcegos habita o interior da gruta o que também proporciona belos espetáculos de revoada. A caverna é um prato cheio para biólogos e está longe de intervenções humana. Para acessá-la deve-se buscar um guia local e caminhar por algumas horas um uma área bastante selvagem. Vale muito a visita e mais ainda a pesquisa. Na imagem abaixo o nosso guia, um mateiro local que havíamos conhecido minutos antes em um bar, faz pose de foto para mostrar sua coragem frente às baratas e "perigos da gruta".




Furna do Pau-Ferro, Paripiranga, BA (Fatores orgânicos)
Eis um verdadeiro inferno subterrâneo. Imagine um chão repleto de ossos recentes de animais de todos os tamanhos. Imagine fezes de morcego por todos os lados, imagine enormes populações de insetos. Acrescente a isso uma elevadíssima temperatura e um forte odor de materia orgânica em decomposição. Essa é a Furna Pau-Ferro que se encontra no município de Paripiranga no estado da Bahia, em pleo sertão escaldante. Vale muito a visita pela riqueza da experiência, mas prepare seu estômago. Por algum motivo, dezenas de ossadas acumulam-se dentro da caverna. Provavelmente por animais que entram e não conseguem mais sair, por algum ritual de cemitério, ou mesmo por terem sido levados por predadores. Sua entrada é pequena, o espaço confinado e a temperatura nem merece comentários. Mais uma pérola a ser preservada e estudada por biólogos.






Poço sopro de Ubajara, Ceará. (Fatores orgânicos)
Estávamos em busca de um buraco, descrito de passagem em um livro antigo de historias da região. Segundo o relato, em certa época fazendeiros estavam cavando um poço para encontrar água quando encontraram um vão-livre subterrâneo. Desistiram do poço, mas deixaram o buraco aberto, de onde soprava um vento que viria da gruta de Ubajara, gruta grande em calcário a mais de 30km de distância. Procuramos pela fazenda e encontramos um senhor, agricultor local, que conhecia esse poço e nos levou até o local. Sim, o poço não muito fundo dava acesso a pequena sala de teto-baixo. Na verdade uma canga no próprio filito, sem nenhum calcareo exposto. De uma das laterais da salinha saía um conduto, de teto mais baixo ainda que parecia acessar outra sala, de onde vinha um barulho ensurdecedor de morcegos.  Teríamos explorado melhor alguma suposta continuação se esta não fosse completamente entupida de baratas e um odor simplemente insuportável. Não havia espaço para mais de uma pessoa na sala então nos alternávamos um a um.  Estávamos em 5 pessoas e todos desceram para testar a resistência e se certificar que deixaríamos para o futuro qualquer tentativa de exploração. Para descer usamos uma escadinha de aço e é claro que na vez da Leda, retiramos a escadinha a deixando por alguns segundos pagando penitência junto às baratas e morcegos e implorando pela escada.




Absimo Toca dos Porcos, Itaoca, Petar, SP (Poluição)
Descrevemos os trabalhos de mapeamento deste abismo neste mesmo Blog (Abismo TDP). Este é um típico caso onde moradores locais, por desconhecimento, poluem a caverna nas suas próprias atividades de dia-a-dia. Um pequeno córrego passa próximo à casa e entra para a caverna. Neste corrego são dispensados diversos materiais inutilizados da casa. Agrava-se a isso a criação de porcos bem próximo à entrada da gruta além do acumulo de lixo. Toda chuva carrega o lixo e a sugeira dos porcos para dentro da caverna. A gruta é gande e belíssima, mas o cheiro e a água poluída causam bastante desconforto em algumas partes da caverna. Durante os trabalhos de mapeamento  retiramos vários sacos de lixo da caverna e orientamos os moradores locais, mas um trabalho mais profundo de conscientização faz-se necessário e em carater de urgência.

Caverna A, Paripiranga, Bahia (Poluição)
Uma fenda em calcário que até apresentaria possibilidades de continuação se não estivesse completamente obstruída por lixo. Um verdadeiro depósito da população e (segundo moradores) da própria prefeitura. Tentamos entrar e explorar a caverna, mas foi impossível transpor os obstáculos. Na ocasião, fizemos uma denúncia aos órgaos competentes, mas não obtivemos mais respostas. Faz-se hoje necessário um acompanhamento de como evoluiu nossa denúncia assim como um trabalho de remoção do lixo e conscientização da população.



Caverna B, Paripiranga, Bahia (Poluição)
Uma estreita entrada nos leva até um pequeno lago subterrâneo. Mais um inferno, com animais mortos, muito lixo e uma água completamente poluída. Vários moradores acompanharam nosso trabalho confirmando que, com frequencia, jogam ali “tudo o que não presta mais”. Tentamos conscientizar a população da importância das águas subterrâneas para a saúde de todos. Que o lixo jogado alí poluiria também os poços de onde a população retira a água para beber. Paripiranga trata-se de uma região cárstica com muitas dolinas e pequenas entradas misturadas à ocupação humana em áreas semi-urbanas. É de extrema importância um trabalho imediato para proteger e preservar essas cavernas a curto, médio e longo prazo.


Toca da Raínha, Felipe Guerra, RN (Falta de oxigênio)

Com uma pequena entrada a Toca da Raínha seria uma caverna bastante parecida com as outras cavidades localizadas nos lagedos da região, não fosse seu calor insuportável e falta de oxigênio. Por estes 2 motivos é que seu trabalho de mapeamento e exploração continuam pendentes. Da última vez em que estivemos na caverna, o plano era averiguar a possível continuação em um abismo no fundo da mesma. Fui até a beira da descida, fiz uma segurança extra e desescalei parte da descida, mas tive que voltar pois não conseguia mais respirar. Estavamos em 3 pessoas (eu, Renata e Jocy) e todos resolveram abortar a missão e sair da caverna o mais rápido possível. Parecia estarmos disputando oxigênio com respirações cada vez mais ofegantes e difíceis.



Toca da Boa Vista (destaque biológico)

A Toca da Boa Vista, apenas pelo seu tamanho e morfologia já dispensa qualquer argumento de importância. Sua temperatura interior, no início muito quente, torna-se perfeitamente tolerável com o costume. O que me chamou a atenção foi que durante os trabalhos em um setor específico da caverna nos deparamos com condutos repletos de escorpiões. Estávamos a centenas de metros das entradas conhecidas, nosso objetivo era averiguar continuações e mapeas áreas em aberto no mapa em uma região ao norte da gruta. Ao chegarmos nessas áreas, descemos um desmoronamento e já entre os blocos encontramos muitos escorpiões amarelos. Na medida em que descíamos a quantidade de escorpiões aumentava. No fundo do desmoronamento acessava-se condutos de teto-baixo ainda mais cheios de escorpiões. Diante da instabilidade do local e da quantidade de escorpiões, resolvemos desistir do mapeamento, voltando sem terminar a empreitada.


Caverna do Urubu, Vale do Apodi, Felipe Guerra, RN (aspecto orgânico)

Um largo conduto nos leva até uma grande sala onde está abrigada uma gigantesca população de morcegos. Vale a visita e a experiência de sentir revoada dos milhares de morcegos passando entre as pessoas. No interior do salão, todo um bioma está organizado utilizando os morcegos como fonte de alimentação. Cuidado com os carrapatos de morcego!



Caverna Paraíso, Pará (aspecto biológico)

A Caverna Paraíso desde sua entrada já demonstra todo seu potencial biológico. Muitos insetos cavernícolas e em grandes populações habitam seu interior. Algumas áreas, em especial um setor após um quebra-corpo no extremo norte são repletos de morcegos e concentração de guano, além de abrigar enormes amblipígeos.


As cavernas acima foram listadas e descritas sem muito esforço de lembrança. Com certeza foram as experiências deste tipo que mais me marcaram nas jornadas dos últimos anos. Com um pouco mais de esforço e pesquisa certamente podemos levantar muitos outros exemplos. Um levantamento mais detalhado seguido de pesquisas científicas mais profundas poderia ser útil a toda comunidade espeleologica.