"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"
Lançado o curso de espeleofotografia com Daniel Menin e Maria Souza. O programa consiste em duas aulas online com uma carga de 6 horas/aula e uma oficina vivencial com 3 opções de viagem. São expedições organizadas para alguns dos mais fantásticos locais de cavernas do Brasil.
Durante as aulas à distância serão abordados temas como introdução à espeleologia, fundamentos da fotografia em cavernas, técnicas e equipamentos, tratamento e finalização de imagens. Também é realizada uma apresentação sobre os lugares onde as oficinas acontecem e alinhamentos sobre as expedições.
Nas viagens serão treinadas técnicas e soluções com diferentes equipamentos. Durante as viagens, além das atividades em caverna, também serão realizadas reuniões de tratamento rápido, discussões e trocas de experiências.
As opções de viagens disponíveis são:
A. Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (PETAR), no Estado de São Paulo: 2 dias inteiros na região com 2 cavernas visitadas (em Abril);
B. Amazônia (Pará): uma viagem de 6 dias com 2 dias intensos em cavernas de diferentes tipos de rocha, chachoeiras e um dia de descanso em lindas praias de rio com águas transparentes (em Junho);
C. Sertão baiano: uma profunda imersão em uma das regiões mais áridas do Brasil, vivenciando a estadia na casa de sertanejos no pé de uma serra com cavernas cênicas para as oficinas (em Agosto).
As vagas são limitadas a 8 participantes de modo que as viagens sejam bem aproveitadas e tenham uma atenção próxima e exclusiva.
Sobre Daniel
Treinado pela Escola Francesa e Espanhola de Espeleologia, Daniel é Doutor em Geociência e atua na divulgação científica e educação envolvendo o tema das cavernas.
Como fotógrafo é premiado no Brasil e exterior com reconhecimento de prêmios como The Nature Concervancy (1 lugar em 2023) e CNPq (1 lugar em 2022) e reconhecimento de revistas globais como a francesa Spelunca (2024). Daniel também tem menções honrosas em concursos na Espanha e Inglaterra e fotografias publicadas em revistas científicas como Nature.
No Brasil além de participar de grupos de espeleologia como Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas e Meandros Espeleoclube, Daniel também compõe o time de fotógrafos do projeto Luzes na Escuridão com 3 Volumes já publicados.
Na docência, Daniel ministra aulas de fotografia para Universidade de Passo Fundo e Casa de Cultura de Marabá, cursos particulares, e também nas disciplinas de Valores Espeleológicos, Técnicas Avançadas, Geoconservação e Topografia.
Maiores informações por whatsapp, e-mail ou instagram:
Daniel Menin - 55.11. 98152-0088 Instagram: danieldsmenin
Entre os dias 07 e 15 de Dezembro de 2019 uma expedição com cientistas especialistas em geologia, climatologia e espeleologia percorreu mais de 1000km de empoeiradas estradas de terra no árido sertão do nordeste, no Estado da Bahia.
A expedição foi liderada pelo Professor Dr Francisco W da Cruz Junios (Chico Bill), do Instituto de Geociências da USP (IGC) e teve colaboração de espeleólogos da UFB (universidade Federal da Bahia) do GMSE (Grupo Mundo Subterrrâneo de Espeleologia) e do GBPE (Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas).
A viagem percorreu cavernas nos municípios de Paripiranga, Uauá e Campo Formoso e o objetivo era encontrar espeleotemas que pudessem fornecer registos climáticos de parte dos últimos 20 mil anos na região (final do Pleistocêno e Holoceno), um período relativamente recente em se tratando de idades geológicas.
O campo compreendeu a uma pequena etapa de um projeto que vem mapeando o clima da Terra nos últimos 200 mil anos e que já teve conteúdos publicados em revistas científicas de grande repercussão, como a britânica Nature. Espeleotemas podem representar registos climáticos de boa parte do Pleistocêno, já foram coletadas estalagmites com 600 mil anos de registros sobre o regime e a origem das chuvas na região onde elas se encontravam.
Entender o clima do passado ajuda os cientistas a criar modelos que permitem explicar melhor as mudanças climáticas do presente bem como prevê-as no futuro.
Além das pesquisas climáticas as equipes também realizaram levantamentos topográficos e fotográficos de algumas cavernas da região.
(Texto e fotos, Daniel Menin)
Por muito tempo a caverna de Bom Pastor foi usada em eventos religiosos recebendo visita maciça de fiéis. Recentemente espeleólogos locais têm feito trabalhos de isolamento de espeleotemas para determinar área de caminhamento e proteger de depredações.
Teto de conglomerado repleto de fósseis na Gruta do Bom Pastor
Escada de acesso construída na Gruta do Bom Pastor.
Rappel no fundo de uma dolina dá acesso ao Abismo do Cazuza.
Dezenas de baratas encontradas em uma região específica do Abismo do Cazuza.
Vista do alto da Serra do Jerônimo, onde encontra-se a Caverna do Jerônimo.
Cadáver em decomposição de uma cabra, provavelmente perdida na caverna (Caverna Jerônimo - Uauá)
Grandes salas e formações caracterizam a caverna do Jerônimo, em Uauá. Mesmo a caverna tendo sido amplamente depredada, ainda resta grande beleza cênica e de potencial científico e pedagógico.
Trabalhos de topografia na Caverna Jerônimo - Uauá
Ossada de um quadrúpede, provavelmente um bode perdido dentro da caverna.
Grande coluna com alto grau de intemperismo, encontrada na Caverna do Jerônimo.
Grandes salas na Caverna Jerônimo - Uauá
A caverna de Jerônimo também era amplamente visitada em cultos religiosos e extração de salitre. Por todos seus salões, encontram-se estalagmites e colunas depredadas.
A extração de salitre era realizada em escavações como esta visível na fotografia. Com o piso rompido pelas escavações, acumulam-se estalagmites quebradas próximo às áreas de extração.
A caverna de Jerônimo também era amplamente visitada em cultos religiosos e extração de salitre. por todos seus salões encontram-se estalagmites e colunas depredadas.
Algumas das formações já depredadas foram utilizadas como amostras
Grande espeleotema retirado de sua posição original durante escavações de extração de salitre. Na parte de baixo, à direita, é possível observar buraco deixado para as escavações.
Alguns condutos na Toca da Boa Vista apresentam marcas de água em diferentes níveis fornecendo dados sobre épocas chuvosas na região.
Toca da Boa Vista, Bahia
Equipe de trabalho
Outras fotografias da expedição podem ser encontradas NESTE LINK.
Uma expedição com mais de 20 espeleólogos acaba de percorrer as principais cavernas dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A viagem, que aconteceu em Junho e Julho de 2019, reuniu 9 fotógrafos brasileiros e estrangeiros e compreende ao Projeto LUZES NA ESCURIDÃO, Volume 2.
Junto com os fotógrafos foi mobilizada uma equipe de modelos, assistentes, guias e grupos locais que deram todo suporte para que as principais cavernas de Bonito, Serra da Bodoquena, Nobres e Chapada doa Guimarães fossem visitadas e fotografadas.
Ao todo foram mais 2.000km rodados.
O Projeto Luzes na Escuridão teve início em 2016 e já tem publicado um livro fotográfico. Uma obra de 370 páginas e 4 idiomas que representa através da lente de alguns dos mais consagrados fotógrafos de caverna do mundo, as principais cavidades brasileiras.
Segundo Leda Zogbi, coordenadora geral do projeto, o Volume 2 deve ser impresso entre o final de 2019 e início de 2020 e, além de conter um avanço significativo em técnicas e equipamentos, trás também a novidade de estar repleto de fotografias subaquáticas.
Junto com o livro, foi lançada uma webserie com vídeos sobre cada fotógrafo e um episódio sobre a história do projeto. Através dos vídeos, é possível conhecer cada fotógrafo mais a fundo, além de contemplar uma primeira coletânea de fotografias captadas e belas filmagens que captam o ambiente da expedição e as paisagens visitadas.
No no site do LUZES NA ESCURIDÃO, é possível acessar os vídeos em diferentes legendas (Português, Inglês, Espanhol e Francês), bem como todas as informações pertinentes sobre o projeto.
Abaixo na íntegra alguns vídeos.
Filme institucional sobre o projeto e a expedição de 2019
Uma coletânea de filmagens sobre o dia a dia da expedição, além das belas paisagens do MT e MS.
Web série sobre os fotógrafos e técnicas de fotografias subterrâneas Um video sobre cada fotógrafo da expedição, contendo informações sua técnica e algumas de suas fotos selecionadas.
Entre
os dias 28 de Maio e 04 de Junho de 2018 foi realizada mais uma expedição
espeleológica à caverna Paraíso, a maior caverna conhecida na região amazônica brasileira. A
caverna está localizada no município de Aveiro, no Pará, entre o Rio Tapajós e
assentamentos da década de 80. O ponto mais conhecido da região é a cidade de
Fordlândia, a 45km de distância da caverna por uma transamazônica precária.
A
Caverna Paraíso teve seu mapa iniciado em 2005. Treze anos depois, outras 4
expedições topográficas já foram realizadas e os espeleólogos calculam mais de
3km de galerias conhecidas.
Além
de seu tamanho surpreendente, a caverna também tem relevante importância
científica. Em 2017 foi publicado um artigo na revista Nature sobre a caverna
Paraíso e sua contribuição em estudos paleoclimáticos na região (mais detalhes, aqui).
A
localização distante e o acesso no meio da floresta não são as únicas
dificuldades de se trabalhar no local. A cada viagem, novas galerias foram sendo
descobertas e áreas inexploradas foram se acumulando para outras expedições.
Esta mais recente incursão contou com 4 espeleólogos que se dividiram em duas
equipes dedicando-se a exploração e topografia de labirintos e continuações
localizadas nas áreas mais distantes da entrada. Mesmo em 3 dias intensos de
trabalho, o mapa parece estar longe de terminar o que implica na organização de
novas viagens em 2018 ou 2019.
O mapa atual está sendo produzido pelo Menadros espeleoclube
e pode ser disponibilizado para estudos mediante autorização do grupo.
Rio Tapajós e chuva ao fundo.
Porto de Fordlândia, a 45km da região da caverna
Salão dos Pendentes, formações indicativas de níveis de fraqueza horizontal paralelos
O dia estava clareando quando
fazíamos as últimas arrumações nos equipamentos. Um café rápido, lanches
embalados e pegamos o mesmo caminho dos dias anteriores, mas agora com um
desafio muito maior: fazer a travessia da Caverna São Vicente.
A Caverna São Vicente abriga um
dos mais longos rios subterrâneos do Brasil. Com aproximados 10km, só perde
para o rio São Mateus, na mesma região, com 11km de extensão debaixo da terra.
Apesar de não ser o mais longo, seu volume de água muito maior e suas inúmeras
cachoeiras dão fama à caverna como a mais violenta no Brasil e uma das mais
esportivas que se tem conhecimento. Não obstante, a caverna é uma das mais importantes no
Brasil também do ponto de vista histórico. Foram necessárias mais de quatro
décadas de expedições e participação de espeleólogos brasileiros e estrangeiros
para pouco a pouco ir desvendando a grandeza e as dificuldades do sistema. Embora
tantas expedições e espeleólogos estarem envolvidos, a travessia foi realizada
apenas uma vez, em 1999, quando quatro brasileiros entraram pelo sumidouro
principal descendo as corredeiras até chegarem a saída da Craibinha a cerca de 9km
de rio abaixo.
Na época, o relato da aventura
publicado na revista O Carste deixou espeleólogos impressionados por quase duas
décadas até que esta nova travessia fosse realizada em 2017.
Revista O Carste edição de 2000 com histórico das explorações no sistema São Vicente
Com a retomada do mapeamento
pelo grupo Bambuí, partes importantes do mapa vem sendo completadas e uma nova
topografia está seguindo o leito do rio. O
intuito desta nova travessia era retopografar uma área distante da caverna,
cujo retorno contra a correnteza seria inviável obrigando a equipe a atravessar
a gruta. Por acaso ou não, os quatro espeleólogos da primeira travessia estavam
presentes também nesta expedição, mas nenhum deles se propôs a acompanhar a
nova equipe na incursão...
O acesso à entrada da caverna
não é difícil. São apenas 15 minutos caminhando a partir da casa de um morador
local. As dificuldades aparecem, entretanto, logo no começo da gruta onde os
espeleólogos sentem a força da água ao atravessar o rio. Algumas dezenas de
metros adiante, e como cartão de visitas, uma primeira cachoeira obriga o uso
de corda e equipamentos de vertical. Mais um pouco à frente e outra cachoeira,
seguida de um trecho de água funda e correntezas demonstram que o caminho não
será nada fácil. Esses obstáculos são transpostos sem grandes problemas com o
auxílio de boias e cordas, mas a cerca de 2km da entrada se encontra um dos maiores
obstáculos da caverna. Conhecida como Garganta do Diabo, trata-se de uma volumosa
cachoeira de 20m que impede qualquer espeleólogo que não esteja extremamente
preparado a continuar a descida do rio. Não por acaso, o nome Garganta do Diabo
foi dado em uma expedição de 1976 e foram necessários 14 anos até que a
cachoeira fosse vencida.
A força da água e corredeiras constantes dificulta muito o trajeto contra a correnteza
A primeira cachoeira entre as grandes
Passagens superiores evitam partes perigosas demais pelo rio
Dali em diante a caverna toma
uma violência digna de uma descida de canyon das mais esportivas. Mesmo que
vença a cascata, as partes que seguem são tão desafiadoras quanto. Entre elas
está o Caldeirão do Diabo, um verdadeiro ralo gigante onde o rio borbulha
girando em torno de um pequeno buraco (sifão) por onde a água desaparece. Do
outro lado, o volume é expelido violentamente caindo alguns metros à frente em
mais uma cachoeira de 6m de altura. Neste ponto somos obrigados a seguir pelas
paredes, em um corrimão suspenso de corda até subir em uma passagem superior
vendo a continuação do rio do outro lado do sifão. Transpor a corda é difícil,
tem que alternar força e movimento preciso para ir conectando os nossos
mosquetões em cada ponto de ancoragem e assim ir avançando metro a metro. Não
há apoio para os pés e ficamos frequentemente balançando na corda alguns metros
acima do rio em tempestade. O barulho ensurdecedor da água turbulenta impede
uma boa comunicação entre as pessoas. A névoa atrapalha a visão. Ajudar seu
vizinho acaba sendo bem mais difícil do que de costume e cair na água nestes
trechos está fora de cogitação.
Para ajudar, enquanto conectava
meu mosquetão no final na última alça do corrimão fazendo impulso para sair do
caldeirão escuto: "Se não morrer afogado no sifão", gritou meu colega
olhando pra mim, "morre na cachoeira logo depois!". Me debrucei ainda
com a segurança conectada e lá do outro lado do sifão vi uma violenta queda de
espuma explodindo nas rochas abaixo.
Passagem suspensa nas laterais do Caldeirão do Diabo
Uma das 20 cachoeiras pelo percurso, o turbilhão das quedas impossibilita o caminho pela água
Descida lateral à cachoeira Garganta do Diabo
Uma queda na água certamente seria fatal carregando o espeleólogo até outras quedas mais a baixo
A cada metro avançado a volta
vai se tornando mais difícil. A um certo ponto, retornar não é mais opção uma
vez que nadar contra correntezas e cachoeiras é considerado humanamente
impossível.
E foi na base de uma das
últimas cachoeiras que começamos nossa topografia. O objetivo era seguir pelo
caminho principal por cerca de 1km representando em detalhes a galeria e
possíveis laterais deixadas em aberto no mapa anterior. Uma vez encontrado um
conduto afluente de rio conhecido como Passa Três, encerar a topografia e
seguir caverna abaixo até a saída da Craibinha. A topografia foi o ponto mais tranquila
da travessia. O rio calmo e condutos grandes permitiam visadas longas e
agradáveis. Cerca de 1h30 depois chegamos até um afluente grande, um conduto
lateral por onde descia outro rio, era a caverna Passa Três. Conhecida desde as
explorações de 1980, a conexão da caverna Passa Três desde sua entrada até o
rio São Vicente fora realizada apenas recentemente. Isto porque a caverna
compreende em um longo conduto, ora estreito e ora praticamente submerso, por
onde os espeleólogos devem mergulhar por completo em uma passagem para atravessar
seguindo seu caminho. Conectamos nossa topografia a uma base fixa na entrada do
conduto da Passa Três e seguimos rio abaixo rumo a saída da São Vicente. Já
havia se passado quase metade da jornada e ainda tínhamos o mais longo percurso
a realizar.
Uma das inesperadas cachoeiras ao longo do caminho
Grandes condutos são uma constante na caverna
Colete salva-vidas e boia são
equipamentos obrigatórios sem os quais as chances de sucesso são mínimas. Os
coletes ficaram conosco por todo percurso, mas 50% da equipe teve suas boias
furadas ao longo do percurso.
Em muitas curvas da caverna a
força da água cavou reentrâncias na parede e a correnteza empurra os
espeleólogos para baixo de espaços estreitos entre o teto e a água. Os últimos
quilômetros de caverna são cansativos. Rochas pontiagudas ameaçam furar as
boias e os espeleólogos são obrigados a fazer boa parte do percurso entrando e
saindo da água, procurando alternativas entre blocos e escaladas ao lado do
rio.
Existem duas saídas conhecidas
rio abaixo na caverna São Vicente: a saída eslovena, explorada na década
de 80 e localizada cerca de 8km da entrada, e a saída da Craibinha, 1km abaixo
da saída eslovena. Como não conhecíamos esta saída, nossa única chance era encontrar
a Craibinha. Para ajudar, uma equipe de apoio havia feito o caminho por fora
dias antes e, além de ter deixado a saída equipada com cordas, também deixaram
uma fita colorida as margens do rio para que pudéssemos, na travessia,
identificar o ponto a sair da água e buscar uma saída em blocos na lateral da
caverna. Perder o ponto exato de deixar o rio em busca desta saída significaria
descer por mais 1km de correntezas até desaparecer em um sifão intransponível.
Não podíamos nos dar muito luxo
de descansar. As paradas eram apenas pelo tempo suficiente para unir-se aos
outros integrantes e seguir caminho. Felizmente, alguns trechos de rio calmo
proporcionavam uma agradável descida, sentado na boia, onde o único esforço foi
contemplar a beleza, desviando de pedras. Naqueles momentos, a cavernada mais
parecia uma atração típica de parque temático. Só faltavam saídas de emergência
e uma música de fundo...
Coluna gigante
Alguns trechos de água calma
Mas as calmarias duravam pouco.
Logo se ouvia a frente o barulho de novas cachoeiras e corredeiras nos fazendo
sair das boias ou remar rapidamente para as margens. A medida em que nos
aproximávamos dos quilômetros finais da travessia, as corredeiras voltaram a
ser uma constante, além de agora estarem repletas de rochas pontudas no fundo e
nas paredes (lapiás).
Foi ali, no início deste trecho,
que minha boia furou. Lembrei de um comentário do Ezio um dia antes alertado para
perigo no "final" da travessia. Pelas nossas contas, ainda havíamos 3
ou 4km de rio pela frente. Da maneira que dava e sem boia, fui usando o colete
para flutuar, além de me equilibrar na mochila e em um saco estanque. Descia o
rio mais rápido que as boias e logo me vi a frente da equipe. Na velocidade das
corredeiras, usava os pés na frente, prevenindo me chocar com mais rochas
pontiagudas. Embora estivesse o tempo todo em movimento, estar completamente
dentro da água me fez começar a sentir frio. Para ajudar, logo depois, o saco
estanque em que me apoiava também acabou furando em uma das corredeiras. Já
estávamos exaustos quando a boia do Marcelo foi jogada para baixo de um bloco
cheio de pontas, e também furou. Vendo ele ser arrastado com uma mochila pesada
pulei na água e ajudei-o a sair para a margem. Nos recuperávamos do susto em
uma pequena praia quando vi o Marcelo tossindo freneticamente. Deve ter
engolido muita água, pensei comigo, mas ele acenava para que eu batesse em suas
costas. Após recuperarfôlego o
suficiente para umas primeiras palavras, ele me informou que o escândalo não
era por ter engolido água, mas sim por estar engasgado com um pedaço de
rapadura!
A incerteza sobre o ponto da
saída da caverna consome psicologicamente os espeleólogos da travessia. A
medida em que o tempo passa, fomos ficando mais cansados e a dúvida latejava na
cabeça de cada um. Havíamos perdido o ponto para sair do rio em busca da
Craibinha? Chegar ao sifão final da caverna tendo que subir o rio contra a
corredeira, por 1km, em busca de uma saída, seria um pesadelo de causar pânico
a qualquer pessoa.
Continuamos a descida em um
silêncio preocupante. Uns pela borda, outros pela água e cada um com seus
recursos para garantir a segurança e a progressão. As mochilas cheias de cordas
molhadas pareciam estar a cada momento mais pesadas. Era possível adivinhar o
pensamento de cada um em seu semblante, todos preocupados com tudo o que
poderia acontecer dali em diante. Na areia as margens do rio começamos a ver
pegadas humanas, só poderia ser da equipe de apoio dias antes. Estávamos
próximo de alguma saída! Em uma das curvas lá estava a fita laranja amarrada em
uma pedra as margens da água.
Cada um que chegava na fita
urrava de felicidade. Agora seria "só seguir reto desmoronamento acima até
encontrar uma saída". Esvaziamos as boias que ainda estavam intactas e
seguimos o caminho apontado pelas pegadas até chegarmos a uma corda amarrada em
blocos no teto da caverna. Já era possível sentir a brisa fria da noite
entrando na gruta. Após cerca de 15m de corda e algumas passagens estreitas,
senti o prazer de ver vegetações e ouvir o barulho da mata.
Saindo da gruta me deparei com
mochilas cargueiras deixadas ali pela equipe para carregarmos nossos
equipamentos pela trilha. Também deixaram em uma das mochilas comidas
liofilizadas de montanha e um fogareiro. Descansamos o tempo suficiente para
fazer uma comida quente, trocar as roupas molhadas, dividir os pesos nas
cargueiras e iniciar a trilha de volta.
As 23h30 iniciamos a trilha até
os carros deixados na Craibinha pela equipe de apoio. Mais algumas horas
caminhando no cerrado e as 2h da manhã estávamos de volta a casa. Um prato de
comida direto da panela deixada sobre o fogão foi um banquete difícil de
descrever, mesmo estando fria. Desmaiei na cama ainda escutando o eco das
corredeiras na minha cabeça.
Do ponto de vista físico,
técnico e psicológico, considero a travessia um grande desafio mesmo aos mais
experientes espeleólogos. Os riscos são muitos e, qualquer pequeno incidente,
certamente será fatal devido a impossibilidade de resgate e ambiente hostil que
a caverna oferece. A preparação e a logística também devem ser diferenciadas.
Equipar antecipadamente, marcar trilhas, deixar carros e equipamentos na saída
da gruta facilitam muito o trabalho. Boias e coletes salva-vidas são obrigatórios.
Também nos ajudou muito uma aclimatação com a caverna dias antes, indo cada dia
mais fundo, até a data de atravessar. Na nossa experiência, ter topografado
galerias próximas à Garganta do Diabo, bem como sua equipagem previamente,
foram essenciais para que tudo ocorresse como planejado. Por fim, a travessia
apenas como objetivo de desafio técnico pode ser arriscada demais, e eu
desaconselho completamente. É preciso um propósito a altura para
justificar o esforço e o risco, além de contar com pessoas que conhecem a gruta
e a região. É determinante estar na época de seca e não ter absolutamente
nenhuma possibilidade de chuva. Mesmo com o baixo volume de água, a caverna
apresenta as mais duras dificuldades.
A expedição de Julho de 2017
rendeu cerca de 5km de topografias. Foram mapeadas áreas já conhecidas, mas
também novos condutos e salões não descrito no mapa anterior. Também foi
descoberta uma nova caverna, a Gruta Des Foux, que rendeu mais de 1km após
transposição de um sifão e um abismo.
Um dos condutos superiores topografados na expedição
Moradores locais, isolados da cidade e próximos à entrada da caverna
Equipe da expedição 2017
GBPE - Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas
EGB - Espeleo Grupo de Brasília
GSBM - Groupe Spéléo Bagnols Marcoule, França