"E impelido pela minha ávida vontade, imaginando poder contemplar a grande abundância de formas várias e estranhas criadas pela artificiosa natureza, enredado pelos sombrios rochedos cheguei à entrada de uma grande caverna, diante da qual permaneci tão estupefato quanto ignorante dessas coisas. Com as costas curvadas em arco, a mão cansada e firme sobre o joelho, procurei, com a mão direita, fazer sombra aos olhos comprimidos, curvando-me cá e lá, para ver se conseguia discernir alguma coisa lá dentro, o que me era impedido pela grande escuridão ali reinante. Assim permanecendo, subitamente brotaram em mim duas coisas: medo e desejo; medo da ameaçadora e escura caverna, desejo de poder contemplar lá dentro algo que me fosse miraculoso"

Leonardo Da Vinci

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Quartzito e algumas de suas surpresas

Explorar e mapear cavernas em Quartzito é um desafio à parte. Por este tipo de rocha ser bastante friável, grutas em Quartzito assumem um desenvolvimento menos lógico do que as tradicionais cavernas em Calcário.  Algumas vezes é bem possível que você fique jornadas inteiras deitado, rastejando e se ralando em caóticos labirintos tridimensionais subterrâneos sem conseguir terminar a topografia ou mesmo chegar ao final da gruta. Mas não se desespere! Cavernas em Quartzito podem ser tão belas e surpreendentes quanto suas primas em Calcário. Apesar de não apresentarem uma riqueza em formações geológicas tão diversificada (estalactities, estalagmities, inúmeras formações de calcita e outras precipitações comuns do calcário), as cavernas em Quartzito também apresentam suas belezas, fascínios e principalmente surpresas. Desta forma, ao explorar uma caverna em Quartzito você também poderá encontrar volumosos salões debaixo da terra ou ser surpreendido por novos rios, lagos, cachoeiras e abismos subterrâneos.



Abaixo seguem algumas imagens de um mapa que produzimos há alguns anos em expedições à Chapada Diamantina. 

Esta gruta, em especial, nos presenteou com grandes descobertas e resultados. A primeira delas foi uma inusitada continuação. Onde antes era o “final da gruta” conhecida pelo guia, encontramos uma pequena passagem que nos rendeu mais de 3km de continuidade. A segunda surpresa foi a conexão desta, com outra caverna vizinha, justamente obra de condutos labirínticos. 

Mas talvez a descoberta mais relevante tenha sido a riqueza histórica que a caverna escondia em seu interior.  Em lugares longínquos debaixo da terra encontramos ferramentas antigas, condutos escavados e inscrições datadas do século XVII. Com certeza, obras de escravos que sacrificavam suas vidas por punhados de diamantes. 


Enfim, apos cansativos dias de exploração e topografia chegamos a números bastante expressivos para uma caverna neste tipo de rocha: 200m de desnível sendo o maior desnível subterrâneo da Bahia e mais de 4km de galerias subterrâneas sendo uma das mais extensas cavernas de Quartzito do Brasil.

Nota: os trabalhos nesta gruta ainda não terminaram, portanto, outras expedições devem retornar à caverna para terminar os trabalhos em condutos que ainda continuam e somar mais dados ao mapa.







Esta é somente uma das muitas cavernas que mapeamos neste tipo de rocha no Brasil. Outras grutas ainda estão em fase de trabalho e muitas ainda nem sequer são ainda conhecidas por espeleologos. Isto mostra que ainda temos uma infinidade de cavernas em Quartzito a serem descobertas, exploradas e mapeadas no Brasil. 


Cabe lembrar que apesar da falta de formações delicadas as cavernas de quartzito são ambientes bastante instáveis, perigosos e frágeis. Instáveis pois suas rochas estão sempre “esfarelando” o que pode ocasionar em desmoronamentos e obstrução repentina de passagens durante as explorações. Perigosos pois muitas grutas são (como a do exemplo abaixo) repentinamente inundadas por água de chuva. Frágeis pois muitas destas cavernas apresentam espécies importantes, (bagres-cego, por exemplo), pouco estudados ou mesmo espécies endêmicas (exclusivas daquele ambiente). 


As expedições onde foram gerados os dados acima fazem parte de um projeto idealizado pelo Instituto do Carste (www.institutodocarste.org.br)


domingo, 15 de agosto de 2010

Gruta do Calixto - Bahia 2009

Texto: Daniel Menin
Fotos: Augusto Auler e Daniel Menin

Após vários dias mapeando pequenas cavernas de Quartzito na Chapada Diamantina buscávamos agora encontrar alguma caverna maior, preferenciamente em calcário. Seguindo o mapa geomorfologico da Bahia e unindo informações de referências antigas rumamos então à novos horizontes, em busca de lentes carsticas ainda pouco mexidas naquela parte do sertão nordestino.

Era final de tarde e estávamos próximos a nosso destino (a cidade de Iramaia) quando começamos a ver alguns afloramentos não muito longe da estrada. Paramos o carro ao lado de uma enorme dolina, incrivelmente próxima da estrada. Apesar de grande, a depressão teria passado facilmente desapercebida não fosse uma recente queimada deixando um enorme buraco aberto ao ar livre e à vista dos que   passavam por ali. Estacionamos em uma casinha próximo à dolina, pegamos nossos equipamentos e como de costume fomos investigar mais de perto do que se tratava. Logo na beirada da descida já foi possível ver, la no fundo, o vazio negro da entrada de uma gruta. Ao descer na dolina e adentrar na caverna, a princípio tratava-se apenas de um salão inclinado, bastante arredondado, ornamentado e de médias proporções. Apesar de meus protestos (eu não queria perder tempo com grutas pequenas e dolinas) a equipe resolveu iniciar uma topografia do salão, que a princípio deveria durar no máximo 5 minutos (por isso no mapa vemos: "salão dos 5 minutos!").

Ao esticar a trena até a parte mais funda da sala pudemos verificar, em meio a blocos empilhados e sedimentos, uma estreita passagem. Depois de um rapido trabalho de desobstrução uma surpresa: a gruta continuava. Lá se ia, aos ventos e efetivamente, a razão dos meus protestos. Mais algumas descidas íngremes e passagens apertadas e o esforço começou a ser recompensado. Parecia estarmos acessando uma ampla rede de condutos. Horizontais, largos e de teto a cerca de 1,80m, os caminhos se desenvolviam em diferentes direções. A princípio uma rede bastante labiríntica. 


Em alguns lugares, ao caminhar, afundávamos até a canela em uma fina poeira despositada o solo. Possivelmente tratava-se de guano fossil (fezes de morcego fossilizadas). 
Por todo o caminho não vimos pegadas. Indício de que ninguém havia passado por alí até então. Em alguns locais, na medida em que caminhávamos a fina poeira ficava suspensa atrapalhando nossa respiração e um pouco a visibilidade. 

Escolhemos um caminho principal e fomos adentrando na caverna até nos depararmos com a parte superior de um grande salão.  Perplexos, ficamos alguns minutos parados naquele terraço, admirando a e beleza da caverna e a amplitude do salão. Ainda assimilávamos a grandeza da descoberta. Naquele momento percebi que teríamos trabalho para vários dias de exploração e topografia. Uma sensação de excitação difícil de descrever. Quais mistérios ainda nos aguardavam? 
O Sr Calixo, morador local, que com uma headlamp emprestada por mim nos acompanhava nesta primeira incursão tinha um semblante igualmente admirado. Há decadas habitava somente à alguns metros daquele buraco, sem imaginar o mundo que se abriria ao transpor uma pequena passagem no fundo da dolina.
Os 4 dias seguintes passamos mapeando a caverna e explorando seus condutos, salas e caminhos bastante ornamentados e delicados. O Sr Calixto foi se acostumando em nos ver entrar na gruta de manhã cedo saindo somente de noite.




A Gruta do Calixto, como foi cadastrada a caverna, está sendo palco de importantes estudos científicos geologicos. Suas concreções e morfologia, pouco comuns, indicam um processo de formação hipogênico, sugerindo resumidamente que a gruta tenha sido formada de baixo para cima, através de ácido sulfúrico.
A topografia e o mapeamento foram também bastante trabalhosos. Para mim, o maior desafio foi conseguir unir todos os croquis no mapa e encaixando-os a uma verdadeira “teia de aranha” formada pelas linhas de trena. Apesar das dificuldades, o mapa ficou pronto e foi publicado no final de 2009, após muitas horas de analise e reencontros de dados.
Esperamos que a caverna continue intacta. Protegida por sua distância do meio urbano e do acesso de turistas como sempre esteve. Ao mesmo tempo, agradeçemos por termos sido privilegiados por mais esta descoberta, de certa forma, obra do acaso. Nossas pegadas não geraram somente o impacto negativo da presença humana na gruta, mas também algo de positivo: um mapa e um cadastro. Agora a caverna é oficialmente reconhecida pela comunidade científica. Por estar hoje cadastrada e devidamente mapeada é uma caverna que existe formalmente e portanto pode ser protegida por lei.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Conexão Subterrânea N.80

Saiu o octagésimo número do Conexão Subterrânea, o boletim eletrônico da Redespeleo Brasil.




Nesta edição você saberá mais sobre os seguintes assuntos:

   - 32 Planos de Manejo Espeleológico são concluídos no Vale do Ribeira

   - Gruta do Bacaetava - Melhorias estão a caminho

   - Arqueólogos encontram esqueletos de 5 mil anos em caverna na Espanha

   - Novo roteiro turístico “Linha Lund” permitirá resgate de fóssil humano com 11 mil anos

   - Kevin Downey, divide sua vasta experiência com fotógrafos de caverna brasileiros

   - Encontradas novas cavidades no Parque das Mangabeiras 

   - Parque Estadual do Sumidouro é aberto ao público

   - Pesquisadores divulgam imagem de fóssil de rato gigante

   - Grupo de marsupiais morreu ao cair em caverna há 15 milhões de anos



Para obter os números anteriores acesse www.redespeleo.org.br.


Boa leitura!